O que está surgindo (ou ressurgindo) em nossa época é a legitimação de uma ética seletiva de acordo com atributos categoriais nos quais cada indivíduo se enquadra.
Para esta ideologia, se alguém tiver a infelicidade de coincidir em uma dada categoria, já basta para ser acusado de opressor, criminoso em potencial, e ter sua dignidade relativizada, não importando quais ações concretas que esse indivíduo realizou. Não há o benefício da dúvida, a condenação é sumária, pois se considera que são portadores de males intrínsecos.
Diferentemente, se alguém coincidir em uma determinada categoria aceita e chancelada pelo grupo que se autoproclama como referência de justiça, estará isento de qualquer responsabilidade de suas ações concretas.
Dessa maneira, a consciência e a personalidade individual são diluídas em uma coletividade pré-fabricada: não importa mais o que o indivíduo fez ou agiu, pois o que de fato importa é em qual categoria ele pertence. Já vimos isso antes. Foi Stalin quem afirmou que no socialismo soviético não existiria algo tão incômodo quanto a consciência individual. As tiranias do século XX utilizam tal premissa, pois sabem que a consciência individual é a arma mais poderosa contra o poder político coercitivo, especialmente quando se associam e criam organizações independentes. Faz parte da natureza da tirania que não haja dúvidas sobre ela mesma, estabelecendo-se uma crença cega baseada no medo de pensar ou falar. Todos os que ainda ousam pensar e questionar as decisões e ações do governo estabelecido são eliminados: acabam com sua reputação ou com sua vida. A utilização de categorias depreciativas contra os resistentes é uma das maneiras mais utilizadas para iniciar esse processo.
Em geral, as categorias são importantes e úteis, pois têm a função de classificar conjuntos de seres ou objeto que possuem em comum certa qualidade ou atributo. Mas quando aplicadas como um recurso de estratégia política de monopolização do poder, servem como uma forma de relativizar a dignidade humana, classificando entre os mais dignos e os menos dignos, encontrando nesta classificação o pretexto para agir violentamente contra os “menos dignos”.
Se levarmos à sério a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu preâmbulo diz que “… o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”, então precisamos ter a firme postura de afirmar que a dignidade humana é absoluta e inegociável, e nos opormos a quaisquer projetos de poder que classifique arbitrariamente as pessoas em categorias por conveniência política.