Embora não exista um consenso universal em relação ao que é moral e o que não é, válido para todas as culturas em todos os tempos, parece haver uma interpretação comum em relação ao que é agir moralmente. Esta reflexão sobre o que é esse agir foi motivada por uma breve conversa no intervalo de uma aula, e começou a ganhar corpo depois de ver o produtor de cinema Ron Howard postar uma foto afirmando que, embora não seja mais obrigatório, ele continuaria usando máscara em lugares públicos, para o bem dos outros.
Em primeiro lugar, toda ação humana tem algum tipo de motivo, desde as mais básicas; se estou sentindo sede, minhas ações são no sentido de abandonar algo que esteja fazendo e ir até o local que tenha água disponível, sirvo-me e bebo. Essa motivação é interna, mas os motivos podem ser externos: por exemplo, se vejo uma criança num parque correr o risco de se machucar, paro o que estou fazendo e tento impedir que ela se machuque. Ou seja, as ações são intencionais na medida em que refletem uma modificação do estado da pessoa causada por esse motivo, seja interno ou externo.
A ação normalmente se desdobra em diversas atividades ou tarefas que, devidamente ordenadas, permitem satisfazer o motivo original. Ou seja, as ações têm intenções que buscam cumprir e, para isso, dividem-se em pequenas atividades que, interligadas, atingem-nas. Por exemplo, para cumprir a intenção de acabar com a sede, no mínimo preciso localizar água (que pode estar num rio ou dentro de uma garrafa na geladeira da minha casa), ir até onde a água está, obter algo que a possa conter (um copo, por exemplo), colocar a água no copo e bebê-la.
A ação envolve uma deliberação, um ato de razão que me faz buscar o melhor meio de atingir minha intenção. Os motivos entram nesse jogo, pois me informam que há um estado desejado diferente do atual, que, muitas vezes, pode ser alcançado de diferentes formas (por exemplo, se estou em minha casa e sinto sede, ao abrir a geladeira posso encontrar água, suco, refrigerante, chá, vários tipos de bebidas). Qual será a melhor forma de atingir esse motivo, de cumprir essa intenção? Experiências prévias, conhecimentos acumulados, conselhos de outras pessoas, tudo isso pode me levar a decidir qual seria a melhor forma. Veja-se que a ação, ao ser objeto de uma deliberação, exige a tomada de uma decisão do que fazer. No caso da criança, como evitar que a criança se machuque? Gritar com ela, chamar a atenção dos pais, correr até ela e pegá-la para impedir que faça o que iria feri-la? As opções precisam ser deliberadas para que se possa escolher a melhor dentre elas, que me permitirá cumprir minha intenção e atender meu motivo. Toda ação tem consequências. Se, em vez de beber água, eu tomar um copo de refrigerante doce, provavelmente sentirei sede novamente em pouco tempo; se agarrar a criança que poderia se machucar, seus pais podem interpretar errado minhas intenções,
pensando que tinha motivos diferentes. É impossível prever todas as consequências das ações, mas é preciso pelo menos estar consciente do maior número delas, porque isso me ajuda na deliberação racional.
Então, em síntese, temos o motivo, o ato em si e suas consequências. Mas gostaria de chamar a atenção para uma palavra que surgiu no parágrafo anterior, que é a consciência. Preciso saber o que estou fazendo para realmente agir de maneira livre e racional, e liberdade e racionalidade são essenciais para a ação. Neste momento, o ato moral pode ser definido. Ele deve ter uma motivação, e essa motivação é o bem. Fazer o bem é o único motivo plausível para uma ação moral; o bem pode ser conceituado, pode ser definido, e deve ser tratado como um absoluto. As atividades dependerão da ação em si, o que torna impossível discuti-las aqui. A deliberação moral envolve valores, que são distintos no tempo, no espaço, e de acordo com as culturas. Os valores cumprem a importante função de nos informar o que é esse bem tão desejável, e podem ser reconhecidos – mas nunca definidos perfeitamente, o que impede sua universalização. E a consciência é essencial; se faço algo para o bem, seja o meu, seja o de outras pessoas, preciso estar consciente de que minhas ações estão voltadas para esse objetivo, preciso ter uma definição de bem aceitável para mim e para as outras pessoas. A falta de consciência do bem e da própria ação não são coisas ruins em si, porque uma criança pequena age sem tê-la, por exemplo; o que é preciso, neste caso é desenvolver a consciência da criança. Mas a consciência é algo individual. Não existe uma “consciência coletiva” reconhecível. Os valores são compartilhados com os outros, as ações podem ser escolhidas depois de uma deliberação em termos do que outras pessoas fariam, mas a consciência da ação individual só pertence ao indivíduo. Por este motivo, ela é um critério essencial para a definição de uma ação moral: se sei o que é o bem, e deliberada e conscientemente opto por agir contra ele, não há como justificar a ação como moral. Não é pelo aplauso dos outros que você deve agir moralmente, e sim para sua consciência. Se Ron Howard realmente queria agir pelo bem dos outros, merece meus aplausos; mas se ele só queria likes nas redes sociais, só merece meu silêncio.