Nobody’s fault but mine?

Esta breve reflexão lida com o tema da culpa, um sentimento que nos assalta quando sabemos que fizemos algo errado – ou mesmo quando suspeitamos que cometemos esse erro. Na Ética, a culpa aparece relativamente pouco nas obras dos filósofos morais (para os interessados, sugere-se o capítulo de Chappell no livro de Cokelet e Maley, 2019). A decisão de tratar deste assunto surgiu de um desconforto com a noção de culpa coletiva que parece se difundir atualmente.

Culpa coletiva? Desde Marx, difunde-se a ideia de que as pessoas são meros bonecos moldados pela classe social em que nasceram – seus pensamentos, seus valores, suas visões de mundo, tudo é determinado pelo fato de alguém ter nascido burguês ou proletário. Como e por que o próprio Marx, nascido na burguesia, conseguiu transcender os limites impostos pela sua própria classe, nunca foi explicado. Mas a ideia adentrou o imaginário, e foi além: para muitos, raça e gênero são suficientes para definir todo um grupo de pessoas, e se você pertence a uma determinada combinação de ambos, você se torna imediatamente culpado por tudo de ruim que ela tiver realizado no mundo.

Hannah Arendt, em Responsibility and Judgment (2003), afirmava que ser alemã a tornava herdeira de tudo o que seus antepassados tinham feito; ela não podia ser culpada pelos seus erros – e. g., o nazismo – mas nem por isso deixava de carregar uma responsabilidade, que pode ser deduzida como a de jamais permitir que ocorressem novamente. Em meu ponto de vista, Arendt estava certa ao afirmar que ela não poderia assumir a culpa pelos atos de outras pessoas, especialmente pessoas com quem ela não conviveu. Em termos de responsabilidade, não se pode desprezar sua proposição: conhecendo os erros cometidos no passado, nós, seres humanos, devemos evitar cometê-los no presente e no futuro. Mas, se ocorrerem, somos culpados? Fizemos alguma coisa para que os erros se repitam, ou deixamos de fazer algo que os evite?

Acredito que seja importante distinguir entre a culpa por fazer algo errado e a culpa por deixar de fazer algo certo. A distinção parece simples: se, por exemplo, como resultado de meus atos, uma pessoa morre, sou culpado pelo ato (por exemplo, avancei o sinal vermelho e bato em outro carro, causando a morte de seu ocupante); por outro lado, se presenciei um acidente, e não presto socorro às vítimas, se uma delas vier a falecer sou culpado por omissão. Não matei ninguém, mas não fiz nada para evitar a morte.

Entretanto, há um fator complicador. O ato deriva da vontade da pessoa? O ato foi conscientemente desempenhado por alguém que estava ciente das consequências? Este aspecto é importante, porque, por exemplo, se a pessoa for levada a julgamento pelo acidente de carro, sua pena será diferente se for provado que estava embriagada. A culpa está associada à consciência, exige que a pessoa seja capaz de julgar o contexto, a ação em si, suas opções. Portanto, a culpa por uma ação errada deve derivar de uma ação praticada conscientemente por uma pessoa – ou da omissão de ação.

Permitam-me reforçar: por uma pessoa. A ação radica no indivíduo; “ação coletiva” é o somatório de ações individuais, mesmo quando o que uma pessoa faz ou deixa de fazer é influenciado pelo grupo a que pertence. A culpa pelos meus erros não é de ninguém, é minha; a culpa das pessoas semelhantes a mim, sejam elas quem forem, é delas, não minha, e só posso compartilhá-la se eu tinha meios para impedir a ação errada, mas conscientemente optei por não fazer nada.

Referências

ARENDT, Hannah. Responsibility and judgment. New York: Schocken Books, 2003.

COKELET, Bradford; MALEY, Corey J. The moral psychology of guilt. London: Rowman & Littlefield, 2019.

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