Entre os clássicos da literatura de exploração e aventura, o relato da “Incrível viagem de Shackleton” fornece incomparável narrativa e faz refletir sobre ao menos dois elementos fundamentais para se lançar numa aventura grandiosa. Vamos conhecer um pouco mais sobre essa história.
O capitão da embarcação Endurance, Ernest Shackleton, e sua equipe de 27 tripulantes partiram em 1914 para a primeira expedição de travessia do continente Antártico. Eles não completaram seu objetivo inicial, contudo sobreviveram as mais difíceis provações já registradas por exploradores de regiões remotas. Após naufragarem nas banquisas de gelo do Mar de Weddel, os tripulantes tiveram que se assegurar com firmeza uns nos outros para enfrentar as dificuldades e manter a constância na busca de soluções.
Eles enfrentaram as situações adversas com paciência e, até mesmo bom humor. Após dois invernos antárticos, travessia de banquisas de gelo a pé, preparação de uma embarcação improvisada e enfrentamento de mais de 1300 quilômetros do mar mais revolto do mundo – entre a península Antártica e o extremo sul da américa do sul, Ernest Shakleton e sua equipe conseguiram o autoresgate.
Sim, parece uma história de fantasia. Contudo, se você estivesse na Inglaterra do início do século XX iria encontrar o seguinte chamado, como um cartaz de recrutamento e seleção para essa aventura:
“Precisa-se para: perigosa jornada, baixo salário, frio intenso, longos meses de completa escuridão, perigo constante, retorno em segurança duvidoso, honra e reconhecimento em caso de sucesso”
O que pode parecer loucura no primeiro momento, se traduz em um convite para uma provação grandiosa, para um feito inédito, que nos remete para elementos universais do chamado para a aventura. O desafio da conquista do impossível exerce uma atração por si só. Existe algo que ressoa em nosso íntimo, que nos incita a coragem de enfrentar o desconhecido. O historiador Joseph Campbell, em seu livro O Herói de Mil Faces percebe que esse chamado para aventura é comum em toda a história. Nesse mesmo sentido, o psicólogo Viktor Frankl acrescenta que de uma forma ou de outra, nossa natureza humana busca a tensão, nos queremos nos colocar à prova.
Reforça essa reflexão quando as vésperas da partida do Endurance estoura a Primeira Guerra mundial e a Grã-Bretanha declara guerra à Alemanha. Nesse cenário, Winston Churchill, Lorde do Almirantado Britânico, envia um telegrama à tripulação afirmando ser o desejo do governo que a expedição fosse levada adiante. E aqui fica o primeiro aprendizado:
Se lance em uma aventura tão grandiosa que nem mesmo uma Guerra Mundial faça perder seu sentido.
E não somente isso. Aquele anúncio sincero e universal atraiu uma equipe de expedicionários diversa, o que acabou se revelando uma estratégia fundamental para o sucesso da jornada. Shackleton compôs sua tripulação de veteranos experimentados em explorações extremas até novatos no mar. De universitários renomados até pescadores simples. O que se demostrou ser comum a todos foi a perseverança e bom humor perante as adversidades.
Após meses de convívio constante a equipe formou um conjunto de experiências que compensava de longe as grandes diferenças que existiam entre eles. Eles apreenderam a se conhecer, e, quase sempre, a se gostar. Então, o aprendizado que complementa o primeiro é simples:
Não se lance nessa aventura sozinho! Forme uma equipe diversa, que tenha prazer na convivência.
Dessa forma, as conexões irão se fortalecem nas adversidades e os aprendizados irão se complementar no enfretamento das decisões difíceis.
Do livro que remonta em detalhes dessa saga – com conteúdo baseado em entrevistas, relatos originais e nos diários oficiais da tripulação, se destacou nessa reflexão a dimensão universal do chamado para a aventura, que nem a Primeira Guerra Mundial conseguiu parar, e a importância da diversidade de equipe no enfrentamento dos desafios. E então, você está pronto para uma aventura?
Referências
CAMPBELL, Joseph. The hero with a thousand faces. New World Library, 2008.
FRANKL, Viktor E. O homem em busca de um sentido. Leya, 2012.
LANSING, Alfred. A incrível viagem de Shackleton. Sextante, 2009.
LARSON, Edward J. An empire of ice: Scott, Shackleton, and the heroic age of Antarctic science. Yale University Press, 2011.