Ética em nudges nos tempos de coronavírus

Na introduçao do livro “Nudge: improving decisions about health, wealth, and happiness”, Richard Thaler e Carl Sunstein contam a história de Carolyn, uma diretora que fez experimentos com a disposição dos alimentos em cafeterias escolares para influenciar as crianças em escolhas mais saudáveis. No lançamento do livro em 2008, era uma história fictícia, mas hoje poderia ser real pois inúmeras políticas de saúde se inspiraram nesta teoria fundamentada pela Economia Comportamental.

A saber, os nudges são aspectos da arquitetura de escolha que alteram o comportamento das pessoas sem impor proibições ou interferir significantemente nos seus incentivos econômicos. Para ser classificado como tal, tem que ser fácil e barato de evitar, pois não implica obrigações. Por exemplo, colocar as frutas na prateleira na altura dos olhos é nudge, mas proibir comidas junk food não é (THALER, 2009).

Porém, é ético fazer as pessoas agirem de uma forma que não agiriam caso não houvesse a intervenção? Para alguns, isto é manipulação e, no caso de políticas públicas, seria abuso de poder. Resumindo, “nudging” pode conflitar com valores morais centrais como liberdade, autonomia, respeito e dignidade (SCHMIDT; ENGELEN, 2019) e, por isso, vem levantando questionamentos quanto aos aspectos éticos.

Em defesa, Sunstein (2015) afirma que os nudges são éticos pois visam o bem-estar ou qualquer outro tipo de valor. E é com base nessa lógica consequencialista que se justificam diversas políticas para o controle da pandemia de coronavírus. Entre elas, observamos sinais pintados no chão para marcar a distância em filas, álcool em gel na entrada de estabelecimentos para lembrar de higienizar as mãos e até a pressão social está sendo utilizada como incentivo para usar máscaras em locais públicos.

Apesar de alguns bons resultados, ainda não se desvendou totalmente como esse vírus se comporta e qual a verdadeira relação destas práticas no controle da doença. Nesse aspecto, mais do que nunca, é importante refletir sobre o argumento da busca pelo bem-estar para justificar as intervenções na arquitetura de escolha. Se entender o que é melhor para o outro sempre foi um problema, como fazer isto em um momento que ainda não se sabe tudo que se precisa sobre o COVID-19?

Na crise e incerteza, percebemos que muitas pessoas caem em um efeito manada e até tomam remédio para vermes sem eficácia comprovada contra o vírus só porque todos estão tomando. Sem reflexão, seguimos dando motivos para que nudges continuem sendo criados para “ajudar” as pessoas a tomar “boas decisões” em situações que não poderiam fazer “melhor” sozinhas.

Infelizmente, acredito que ainda falta um tempo para saber até que ponto as políticas das “cutucadas” durante a pandemia se justificam no modelo de ética consequencialista ou se sua popularização é um efeito da busca de soluções que demonstrem que algo está sendo feito. Enquanto isso, temos excelentes casos para a discussão sobre a ética dos nudges.

Referências:

SCHMIDT, Andreas T.; ENGELEN, Bart. The ethics of nudging: An overview. Philosophy compass. vol. 15, n. 4, p. 1-13, Apr-2020.

SUNSTEINS, Cass R. The ethics of nudging. Yale Journal on Regulation. vol. 32, p. 414-4502015.

THALER, Richard H. SUNSTEIN, Cass R. Nudge: improving decisions about health, wealth, and happiness. 2. Edition. New Haven: Yale University Press, 2009.

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