A prudência em Tomás de Aquino

Ao se referir à prudência, Tomás de Aquino não remetia ao mesmo significado que hoje damos à palavra, como um simples sinônimo de cautela e precaução. Porém, há algum resquício da ideia de prudentia na prudência moderna. O prudente para Tomás é aquele que “antevê as possibilidades que podem ocorrer na situações contingentes”, porém não se resume somente a isso.

A prudência pertence ao campo do conhecimento, mas ela é diferente das demais virtudes intelectuais – a sabedoria, a ciência e o entendimento – que tratam do necessário. A prudência, assim como a arte, versa sobre aquilo que é contingente. No caso da arte, o trato se dá com a matéria exterior, já a prudência lida com o que pode agir, ou seja, o próprio agente. É uma virtude da razão prática e não da razão especulativa. Seu papel é o de aplicar no agir (particular) os princípios universais determinados pela razão especulativa. Ela não indica o fim das virtudes morais, mas sim em como se pode ocupar dos meios para atingir este fim.

São três os atos que a prudência comporta: o ato de aconselhar, o ato de julgar e o ato de comandar. O primeiro é sinônimo de inquirir (um ato de aconselhar a si próprio); o segundo, o julgar, é o ato de avaliar o que se descobriu, ato pertencente à razão especulativa. O terceiro ato, o de comandar, é onde o que foi aconselhado e julgado é aplicado ao agir. Dos três atos, é este o mais próximo da razão prática, portanto, principal ato da prudência.

Se o fim almejado for um fim mau, fruto de mau conselho e julgamento, é falsa a prudência, mesmo que os meios encontrados por ela sejam os mais adequados para conseguir tal fim. Caso o fim seja bom e os meios para este fim sejam adequados, porém o fim em questão é apenas um setor fragmentário da vida humana, não o fim comum à totalidade da vida humana, é verdadeira a prudência, porém imperfeita. Consequentemente, é verdadeira e perfeita a prudência que, relativamente ao bem da vida em sua totalidade, aconselha, julga e comanda de forma correta.

São também três os tipos de partes da prudência: as partes integrais, as partes subjetivas e as partes potenciais. As partes integrais são aquelas necessárias à plenitude do ato da virtude e se dividem nas partes pertencentes à dimensão cognoscitiva da prudência e em sua dimensão de comando, onde o conhecimento é aplicado ao agir. Fazem parte do primeiro grupo a memória, a razão, a inteligência, a docilidade e a sagacidade. No segundo grupo estão presentes a previdência, a circunspecção e a prevenção.

A memória é o conhecimento em si mesmo, que se refere ao passado, a inteligência ao presente. Para se obter tais conhecimentos é necessário abertura para aprender, algo próprio da docilidade. Outra forma de se obter tais conhecimentos é atravez da descoberta, que se faz pelo bem conjecturar, ou eustochia, virtude da qual a sagacidade faz parte, sendo a sagacidade o conjecturar de forma rápida e fácil sobre a descoberta do meio. A partir de coisas conhecidas o agente passa a julgar ou conhecer outras coisas, algo característico da razão. A razão da prudência tem origem em dois tipos de inteligência, uma voltada para o conhecimento dos princípios universais – tanto teóricos, quanto práticos, como o princípio de não fazer mal a ninguém – e outra inteligência que versa sobre o singular e contingente, que no silogismo da prudência é quem fornece a premissa menor para a ação.

Para que a razão possa comandar a ação de forma correta, é necessário que esta ordene algo apropriado ao fim, função apropriada pela previdência, parte principal da prudência, já que todos os outros requisitos para a existência da prudência são essenciais exatamente para que algo se dirija de forma reta a um fim; deve-se também considerar as circunstâncias da situação, algo próprio da circunspecção; e os obstáculos devem ser evitados, função assumida pela prevenção, que deve procurar os bens e evitar os males.

As partes subjetivas da prudência são as suas diversas espécies, que se vistas em sentido próprio, são a prudência pela qual uma pessoa dirige a si mesma e a prudência pela qual alguém dirige a outros – podendo haver vários tipos de prudência, como a prudência militar, a prudência de reinar, a prudência doméstica, a prudência política. Em sentido amplo, incluindo a ciência especulativa, existem três modos da prudência raciocinar: a partir de premissas necessárias, obtidas através da demonstração; a partir de premissas prováveis; e partindo de conjecturas, que induzem a uma certa suspeita.

As partes anexas a uma virtude são chamadas de partes potenciais. No caso da prudência, são anexas a ela a eubulia, que versa sobre o juízo em relativo as coisas que acontecem de forma ordinária e a gnome, relativa ao juízo sobre as situações em que por vezes é necessário se distanciar das leis comuns, e julgar segundo princípios superiores a elas, já que é mau o ato de cumprir uma lei injusta.

Em oposição às partes da prudência estão a precipitação que se dá em relação ao ato do conselho e contém a falta de docilidade, memória ou razão; a inconsiderção que acontece relativa ao ato do juízo, que contém a falta de prevenção e de circunspecção; a negligência – a abdicação do ato de escolher, onde a razão não é recorrida a comandar o que (e como) deveria comandar – e a inconstância que contém a imprevisão, a inteligência e sagacidade defeituosas, onde há uma falha da razão em comandar o que foi deliberado e julgado.

Referência:

AQUINO, Tomás de. A prudência: a virtude da decisão certa. Tradução de Jean Lauand. Martins Fontes, São Paulo, 2005.

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