Prima Facie Duties: Uma deontologia em contexto?

Sir William David Ross (1877 – 1941), mais conhecido como W. D. Ross, foi um filósofo escocês ligado à Universidade de Oxford, onde lecionou Filosofia Moral por diversos anos, tendo se destacado nessa área pela publicação de um livro, The Right and The Good, em 1930, bem como por ter traduzido e organizado uma edição das obras completas de Aristóteles em doze volumes, em parceria com John Alexander Smith.

The Right and The Good é, junto com Principia Ethica (publicado em 1903), de George Edward (G. E.) Moore (1873 – 1958), um dos mais importantes livros de filosofia moral escritos em língua inglesa no século XX, e se caracteriza por uma abordagem deontológica e pluralista do intuicionismo moral, distinguindo-se dessa forma do tratamento mais consequencialista de Moore. Um sinal da relevância de ambos os livros é dado pelo fato de ainda estarem disponíveis à venda – no caso do livro de Ross, a Oxford University Press mantém os direitos autorais da edição, ao passo que o de Moore já se encontra gratuitamente em vários websites. Infelizmente, o livro de Ross não foi traduzido para o português, diferentemente do de Moore.

W. D. Ross

Jonathan Dancy, em artigo escrito sobre os deveres morais prima facie publicado no Companion to Ethics organizado por Peter Singer (1993), afirma que o que se espera de uma teoria moral é que ela apresente alguns princípios básicos, sua justificativa, e uma indicação de como derivar outros princípios daqueles básicos, e oferece o utilitarismo como um exemplo simples, já que o princípio de maximização da utilidade é o único básico. Em seguida, ele afirma que no pensamento moral de Ross não há uma teoria propriamente dita: não há a definição de princípios básicos (não existe um princípio mais básico do que outro), e mesmo os que Ross sugere não são coerentes entre si.

Para Ross, tanto o kantianismo quanto o utilitarismo são teorias morais monistas que não oferecem um guia adequado para a ação ética das pessoas, e existem muitas coisas importantes para as pessoas (não somente o dever ou a felicidade). Assim, ele sugere a ideia de um dever à primeira vista (prima facie duty), afirmando que muito do que as pessoas fazem deve ser devidamente colocado num contexto. Alguns exemplos desses deveres são: ajudar os outros, manter nossas promessas, pagar por atos passados de bondade e não decepcionar as pessoas que contam conosco. Entretanto, Ross não apresenta uma lista completa desses deveres, sugerindo apenas alguns: os deveres de fidelidade (manter promessas), reparação (corrigir atos errados), de gratidão (pelos atos de bondade de outras pessoas), da justiça, da beneficência, de auto-melhoramento (self-improvement, por meio da educação ou da prática), e da não-maleficência (non-maleficence, de não prejudicar os outros). Como se pode ver, alguns desses deveres apresentam notável paralelo com as virtudes aristotélicas.

Esses deveres são justificados por conta de uma forte presunção de que devemos agir com base neles. Por exemplo, Ross afirma que só se pode descumprir uma promessa se houver alguma obrigação moral mais forte do que o dever de mantê-la. Assim, os deveres à primeira vista são antes guias de conduta (guidelines) do que deveres propriamente ditos. Ou, como Dancy observa, em cada situação existem aspectos que contam em favor de cumprir com seu dever e outros que funcionam como obstáculos.

Um aspecto interessante, mas que dificulta a tomada de decisão, é o de que, de acordo com Ross é relativamente fácil saber quais são os nossos deveres, mas não é tão simples definir qual seria o dever mais apropriado em uma situação. Por exemplo, devemos honrar nossas promessas e devemos ajudar as outras pessoas: o que fazer quando manter a promessa beneficia uma pessoa, mas causa prejuízos ou danos a outra? Para isso, somente uma epistemologia moral que nos ajude a acumular conhecimentos sobre o que fazer pode solucionar o dilema.

E aí reside outro paralelo com a ética da virtude, pois somente a prática habitual da virtude pode realmente nos ensinar como agir – e mesmo assim o virtuoso em determinada situação pode ser muito diferente do que foi virtuoso em outra. O conhecimento sobre os bons atos é essencial para poder praticá-los.

Muito mais poderia ser dito sobre as ideias de Ross e seus deveres à primeira vista – inclusive algumas críticas bastante severas. Mas este pequeno artigo tem apenas a função de chamar a atenção para esse autor pouco conhecido no Brasil e de apresentar uma deontologia contextualizada, em que os atos são praticados por deveres que precisam ser entendidos à luz da situação, como na definição de uma ação como virtuosa.;

Back To Top