Mindfulness como prática de meditação e como característica individual e coletiva

A popularidade da mindfulness no campo acadêmico e organizacional vem aumentando nos últimos anos, sendo usada como ferramenta para aumentar o desempenho organizacional e aumentar o bem-estar de seus membros.

Este artigo pretende trazer algumas definições para o constructo, usado não apenas para descrever uma prática de meditação, mas também uma característica individual e coletiva.

Mindfulness como uma prática de meditação

Goleman e Schwartz definiram a meditação como “a auto-regulação intencional da atenção de um momento para o outro” (apud KABAT-ZINN, 1982, p. 34), sendo duas classes de meditação: meditação de concentração e meditação de atenção plena (mindfulness) (GOLEMAN apud KABAT-ZINN 1982).

A meditação de concentração consiste na restrição da atenção a um único objeto ou ponto, geralmente a experiência da respiração, um mantra, um Koan (uma história, diálogo, afirmação ou pergunta usada na tradição Zen Rinzai) ou um objeto visual. Na meditação de concentração, uma atividade mental que não é a escolhida para ser o foco da atenção é percebida como uma distração (KABAT-ZINN, 1982).

Em contraste, a meditação do tipo mindfulness pressupõe concentração para manter uma atenção constante, não restringindo a atenção a um objeto, mas fazendo uma observação desapegada de um campo de objetos em constante mudança, momento após momento (KABAT-ZINN, 1982). Primeiro, um objeto é o ponto de concentração e, depois que a atenção é relativamente constante, o campo de objetos de atenção é expandido, incluindo todos os eventos mentais e físicos, exatamente como acontecem no tempo. Esta não é uma tarefa trivial, pois a tendência da mente vagar e se preocupar com o conteúdo de emoções e pensamentos, tendo o meditador que trazer de volta a atenção aos detalhes da realidade momentânea, para voltar a atenção para o presente.

Kabat-Zinn (1982) sublinha que, na prática da meditação da consciência, mesmo a perambulação da mente não é considerada uma distração. Todo evento é um objeto de observação, sem importância ou valor absoluto ou relativo em termos de seu conteúdo, sendo eles simplesmente observados à medida que surgem.

Atenção individual

Para Sutcliffe et al. (2016) as definições de atenção individual são mais convergentes do que divergentes, sendo comum nessas definições que a atenção plena é um estado específico de consciência, no qual o indivíduo concentra sua atenção nos eventos do momento presente. Muitas das definições encontradas por Sutcliffe et al. em sua revisão em vários níveis da atenção plena nas organizações, está enraizada na definição de Brown e Ryan (2003, p. 822) do constructo, que atenção plena é “o estado de estar atento e consciente do que está acontecendo no presente”, encontrado no Journal of Personality and Social Psychology.

Os autores apontaram que a atenção e a consciência estão entrelaçadas e englobadas pela consciência, que é distinta de outros modos de processamento mental (como emoções, motivos e cognições), sendo possível ser consciente de emoções, motivos, pensamentos e estímulos sensoriais e perceptivos. A atenção está no fundo da consciência, funcionando como um “radar” dela, monitorando o ambiente externo e interno. Mas pode-se estar ciente dos estímulos, sem colocá-los no centro das atenções. Portanto, atenção é “um processo de focalizar a consciência” (BROWN e RYAN, 2003, p. 822). Como atenção e consciência geralmente são características constantes, a atenção plena pode ser tratada como um nível mais intenso de atenção e atenção à realidade atual ou à experiência atual (BROWN e RYAN, 2003).

As visões sobre mindfulness de Langer (1989) são semelhantes à definição de Brown e Ryan, vendo-o como um estado de alerta e consciência viva, que pode ser visto como consciente do contexto e da diferenciação, refinando várias categorias e distinções e criando novas, tendo um reconhecimento de contexto mais sutil. No modo irracional, o indivíduo depende de distinções que já foram desenhadas e de categorias que já foram definidas. Portanto, mindfulness e mindlessness não apenas se diferenciam quantitativamente entre si – como a quantidade de informações sendo processadas – mas também de maneira qualitativa. As categorias que foram criadas anteriormente em um modo consciente (mindful) prendem o indivíduo quando este esta em um estado de baixa consciência (mindless).

Mindfulness coletiva

O construto da atenção coletiva foi desenvolvido inicialmente em estudos de organizações de alta confiabilidade (HROs na sigla em inglês), para explicar como eles evitam a catástrofe e executam quase sem erros em condições de tentativa (SUTCLIFFE, VOGUS e DANE, 2016). Geralmente, exemplos comuns de HROs são sistemas de controle de tráfego aéreo, usinas de geração de energia nuclear e ônibus espaciais (WEICK; SUTCLIFFE e OBSTFELD, 1999). Weick et al. (1999) apontam que as HROs se concentram na resiliência, antecipação, fracasso em vez de sucesso, táticas e mudança em vez de estratégia e no momento presente e não no futuro.

Hannan e Freeman (1984, apud Weick et al., 1999) definiram confiabilidade como a capacidade de gerar repetidamente resultados coletivos com uma quantidade mínima de qualidade e atingir a confiabilidade organizacional para desenvolver rotinas altamente padronizadas.

O engano da definição anterior, segundo Weick et al. (1999) está em caracterizar confiabilidade como falta de variação no desempenho. Eles apontam que, para a manutenção da confiabilidade do sistema, a situação imprevista deve ser tratada, antecipando consequências acidentais. Considerar as rotinas como fonte de confiabilidade e, portanto, combinar estabilidade com variação, torna mais difícil entender o desempenho confiável sob condições difíceis.

Para eles, a atenção plena em HROs é mais sobre interpretação e investigação fundamentada em recursos para ações do que tomada de decisão e prevenção de acidentes, e não apenas ativada pela novidade, mas é mais como ter uma mentalidade contínua que admite chances de que qualquer evento conhecido não seja perfeitamente conhecido e capaz de novidade. Em vez de ação hesitante, essa cautela contínua é expressa na revisão ativa e no revisitamento ativo e contíno das suposições.

Induzindo uma prática efetiva em HROs e a partir de investigações de acidentes, Weick et al. (1999) viram um estado de atenção plena que parece ser criado por pelo menos cinco processos: preocupação com o fracasso; relutância em simplificar interpretações; sensibilidade a operações; compromisso com a resiliência; e subespecificação de estruturas.

A falha raramente é vista nas HROs e, portanto, elas precisam estar preocupadas com algo que raramente ocorre. Nesse cenário em que as condições de aprendizado não são ideais, as HROs devem tratar todas as falhas como janelas da saúde do sistema, analisando quase falhas e concentrando-se nas responsabilidades do sucesso. Weick et al. (1999, p. 41) afirmaram que nas HROs que são mais eficazes:

“complacência é interpretada como falha de esforço, desatenção é interpretada como falha de vigilância e habituação é interpretada como falha de ajuste contínuo. Atender a possíveis falhas implícitas no sucesso é equivalente a agir no pressuposto de que qualquer sucesso atual torne o sucesso futuro menos provável.”

Simplificar a maneira como a situação atual é interpretada é uma prática comum nas organizações, permitindo que os membros continuem ignorando os dados (Turner, 1978 apud Weick et al. 1999). Porém, nas HROs, as implicações são potencialmente perigosas, pois aumentam a possibilidade de eventual surpresa, limitando o número de conseqüências e precauções indesejadas que as pessoas tomam e permitindo que as intuições sejam desconsideradas, acúmulo de anomalias e um crescimento mais sério de consequências indesejadas (Weick et 1999).

Nas HROs, a sensibilidade às operações é geralmente descrita pela frase “ter a bolha” emprestada da Marinha (ROBERTS e ROUSSEAU, 1989 apud WEICK et al. 1999). Para Endsley (1997, apud WEICK et al. 1999), a bolha é análoga à noção de consciência situacional, definida como a percepção dos aspectos no ambiente dentro de um volume de espaço e tempo e a compreensão de seu significado, projetando seu status num futuro próximo, algo que exija que os indivíduos compartilhem informações e interpretações. Ter a bolha refere-se a uma meta árdua de um alto nível de consciência situacional, um quadro geral que qualquer operador forma (WEICK et al. 1999). Assim, segundo os estudos de Roth (1997 apud WEICK et al. 1999) sobre a tomada de decisão do operador em emergências simuladas de usinas nucleares, a sensibilidade às operações é obtida através de uma combinação de construção coletiva compartilhada de histórias, avaliações situacionais com atualizações contínuas, representações mentais, conhecimento de interconexões físicas e parâmetros dos sistemas da planta, múltiplas bolhas de tamanho variável e diagnóstico ativo das limitações dos procedimentos pré-planejados. Weick et al. (1999) afirmam que o trabalho de Roth deixa claro que as imagens como “consciência da situação” e “bolha” não são dinâmicas e profundas o suficiente para apreender o monitoramento contínuo, a formulação, a construção de histórias e a atuação.

A resiliência está se recuperando de erros e lidando com surpresas no momento, utilizando a mudança que é absorvida e sem esperar para responder ao ele acontecer (WEICK et al. 1999). As HROs também olham ambivalentemente para a aplicabilidade da experiência passada, tendo simultaneamente crença e dúvida, algo importante para a ação adaptativa quando o perigo é encontrado (WEICK, 1969; 1979 apud WEICK et al., 1999).

Finalmente, nas organizações com alto de nível de atenção plena, a estruturação é contínua e a estrutura uma variável, com projetos e rotinas fluidos (WEICK et al. 1999). Ao enfrentar o perigo, os HROs ganham flexibilidade realizando momentos de anarquia organizada (RASMUSSEN e BATSTONE, 1989; PERROW, 1994; VAUGHAN, 1996 apud WEICK et al., 1999), movendo a organização para uma estrutura de lata de lixo, onde

“problemas, soluções, tomadores de decisão e oportunidades de escolha são fluxos independentes que fluem através de um sistema. Esses fluxos são apreciados por seus horários de chegada e partida e por quaisquer restrições estruturais que afetam quais soluções de problemas, e os tomadores de decisão têm acesso a quais oportunidades”(COHEN, MARCH e OLSEN, 1972 apud WEICK et al., 1999, p. 48).

Ao examinar uma anomalia, a hierarquia é sutilmente trocada pela experiência, permitindo que os problemas migrem e permitindo que um número maior de pessoas compreenda as pistas e decida se elas implicam em um evento ou em um problema transitório (WEICK et al., 1999).

Referências:

BOIN, Arjen et al. VOLUME III. 1999.

BROWN, Kirk Warren; RYAN, Richard M. The benefits of being present: mindfulness and its role in psychological well-being. Journal of personality and social psychology, v. 84, n. 4, p. 822, 2003.

KABAT-ZINN, Jon. An outpatient program in behavioral medicine for chronic pain patients based on the practice of mindfulness meditation: Theoretical considerations and preliminary results. General hospital psychiatry, v. 4, n. 1, p. 33-47, 1982.

LANGER, Ellen J. Minding matters: The consequences of mindlessness–mindfulness. In: Advances in experimental social psychology. Academic Press, 1989. p. 137-173.

SUTCLIFFE, Kathleen M.; VOGUS, Timothy J.; DANE, Erik. Mindfulness in organizations: A cross-level review. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, v. 3, p. 55-81, 2016.

Back To Top