Um auxílio da Google para os agentes da saúde pública no combate ao Covid-19

No universo das grandes organizações privadas se contata a tendência de crescimento exponencial de utilização do Big Data e do Data Analytics para auxílio das tomadas de decisão, especialmente como forma de prospecção e planejamento, mas também em momentos de crise. A prática está se generalizando e é compartilhada por organizações das mais diferentes áreas – agência de classificação de risco de crédito, corretoras de seguro, empresas de streaming e equipes esportivas, cada uma a seu modo.

Resumidamente, Big Data é uma grande quantidade de dados, geralmente colhidos de forma passiva, que podem ou não ser estruturados, armazenados em grandes hard disks ou mesmo em nuvens de memória, que podem facilmente ser processados, manipulados e posteriormente analisados para a geração de insights, delineamento de cenários e previsões de resultados para determinadas decisões. Especificamente, Data Analisys é o processo pelo qual acontece a organização e o manejo dos dados da forma desejada para a obtenção de resposta úteis, a partir do banco fornecido pela Big Data.

Há algum tempo que grandes organizações utilizam tais recursos para a identificação de novos mercados consumidores, potenciais projetos ou delimitação de estratégias.

A novidade agora é que os governos também podem usar essas tecnologias na luta contra o COVID-19, para a obtenção de informações para subsidiar decisões de modo a auxiliar na gestão de crise. A Google disponibilizou relatórios obtidos por meio de Big Data sobre a mobilidade dos cidadãos em mais de 130 países (acesse aqui). São dados agregados – como os usados no Google Maps – que mostram o quanto e quando certos tipos de lugares estão ocupados, gerando dados sobre a dinâmica da movimentação, que podem ser úteis para informar políticas de saúde pública dependentes da dinâmica social.

Os dados coletados iniciam em 15 de fevereiro e classificam a mobilidade em seis categorias:

  1. Compras, comércio em geral e entretenimento.
  2. Alimentação e farmácia
  3. Parques e jardins
  4. Transporte público
  5. Trabalho
  6. Residencial

Os gráficos que serão apresentados se referem ao grau de mobilidade durante este período de crise, comparados com o mesmo período de anos anteriores.

Brasil

A quarentena nos estados brasileiros não iniciou no dia 15 de fevereiro, data que a Google assumiu como início para sua análise internacional de dados. No Estado de Santa Catarina, tido como exemplo de celeridade inicial na tomada de decisões públicas em relação ao COVID-19, a quarentena só foi oficialmente decretada em 18 de março, mesmo dia da aprovação do decreto de calamidade pública solicitado pelo governo federal. Apesar da disparidade quanto às datas do início da quarentena entre Brasil e outros países, não há prejuízo significativo para a análise.

Vale também conferir a linha do tempo disponibilizada pela Editora Sanar (acesse aqui).

No quesito de compras em shoppings, serviços de alimentação e entretenimento, percebe-se uma queda forte em relação a mesma data de anos anteriores, de cerca de 40%, provavelmente isso ocorreu com reação temerária da população devido a primeira suspeita de contaminação, no estado de São Paulo.

Como esta primeira suspeita foi descartada e a nova doença levou mais cinco dias para confirmar o primeiro suspeito, a atividade neste setor retornou ao normal, caindo vertiginosamente (quase 80%) apenas a partir da segunda metade do mês de março, quando a maioria dos estados brasileiros já havia decretado quarentena.

No setor que considera parques, praias e praças públicas, percebe-se um grande aumento na última semana dos mês de fevereiro, mas é extremamente inverossímil que esse resultado mantenha qualquer tipo de relação com a COVID-19, o mais provável é que essa movimentação seja resultado da festa de carnaval, que no ano de 2020 aconteceu entre os dias 21 e 25 de fevereiro, diferentemente de anos anteriores, quando a festa se estendeu até março. A pequena queda de mobilidade no início de março pode ser explicada pelo mesmo motivo.

Porém, a partir da segunda quinzena de março a queda se torna mais contundente, até alcançar seu ápice no dia 29, que também se dá na casa dos 80%, mas ocorre de maneira mais gradual.

O movimento na região da própria residência apresenta um aumento constante a partir da segunda quinzena de março, chegando a alcançar cerca de 25%, o que pode ser explicado pelo fato dos cidadãos preferirem fazer compras em pequenos comércios em suas ruas em vez de se arriscarem em grandes redes de supermercados e também pelo fato de muitos brasileiros viverem em condições que impedem um total confinamento dentro da própria casa, especialmente as crianças e adolescentes menores de idade, como condições insalubres ou muitos indivíduos partilhando poucos cômodos.

As compras de alimentos e farmácia apresentaram um pequeno aumento a partir do final de fevereiro até o início da quarentena, o que pode indicar que a população esteve disposta a estocar alimentos e reduzir as visitas ao supermercado. A partir do início da quarentena também teve queda, mas de menor intensidade, atingindo um valor na casa de 40%, uma vez que supermercados e farmácias são considerados serviços essenciais e não há determinação legal para seu fechamento.

O transporte público também sofreu queda no final de fevereiro, que igualmente pode ser explicado pelo evento do carnaval, visto que a maioria dos municípios brasileiros costuma adotar horários diferenciados de ônibus durante as festividades. Já a queda acentuada, que se inicia a partir da 2° semana de março, pode ser atribuída aos decretos de governos estaduais que proibiram desde o uso de transporte público até os trabalhos tidos como “não essenciais”.

Em relação à mobilidade nos locais de trabalho, a queda e o aumento acentuados no fim de fevereiro e início de março, respectivamente, também são facilmente explicados pelo feriado de carnaval. Já a queda a partir do meio de março se torna menos evidente provavelmente pela discrepância entre o início da quarentena em diferentes estados. Santa Catarina e São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, tiveram diferença de 6 dias.

Um comparativo entre os estados

É interessante comparar os dados sobre mobilidade entre estados brasileiros, porque diferente de países de menor territorialidade, o Brasil não contou com o decreto de quarentena do governo nacional, mas sim de governos estaduais, que por vezes aconteceram com uma diferença considerável de tempo.

Vamos tomar para a análise o estado de Santa Catarina – tido como exemplo de celeridade na tomada de decisões públicas em relação ao vírus – e os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, criticados pela demora na tomada de decisões públicas mais enérgicas.

Com base nos números apresentados acima, percebe-se que – a partir do agravamento da pandemia no país e do ponto de vista da avaliação da eficácia das medidas governamentais adotadas – o estado catarinense contou com melhores resultados nas seis categorias de análise e, com exceção da categoria “local de trabalho”, as quedas na circulação foram rápidas e constantes, mostrando que as medidas tiveram impacto considerável no comportamento da população. O único aumento foi na circulação das pessoas na região próxima à residência, o que pode ser um sinal positivo, se assumirmos que isso ocorreu para privilegiar comércios locais em vez de aglomerações em grandes mercados. Também é relevante pontuar que Santa Catarina apresenta, para as 6 categorias de análise, resultados consideravelmente melhores que a média brasileira, enquanto São Paulo apresenta resultado semelhantes e o Rio de Janeiro apresenta resultados semelhantes ou piores.

Para os dados completos de todos os estados brasileiros, acesse aqui.

Por fim, salienta-se que esta análise prévia diz respeito apenas ao possível impacto das medidas dos governos estaduais sobre o comportamento da população, mas não avalia se estas medidas são eficientes em relação à pandemia.

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