A dignidade da pessoa humana em Tomás de Aquino

O ser humano é reconhecido em absoluto como centro e fim do direito por quase todos os ordenamentos jurídicos do mundo ocidental. Entre vários exemplos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (NAÇÕES UNIDAS, 1948 p. 71 a 77) invoca, somente em sua parte geral, a dignidade humana por três vezes, razão pela qual ela é considerada matriz interpretativa deste documento.

Desde a perspectiva do direito natural aristotélico-tomista, o Direito não é um fim em si mesmo. O Direito a partir de então não existe simplesmente pelo Direito, nem, tampouco, para o Direito. Todavia, embora essa fundamentalidade seja reconhecida pela maioria dos pesquisadores da área jurídica, também é reconhecida a grande dificuldade em encontrar a definição do termo, ou seja, responder à pergunta “o que é a dignidade da pessoa humana”. No estado da arte atual da pesquisa jurídica, a expressão dignidade da pessoa humana acaba muitas vezes por parecer algo completamente vazio, desprovido de qualquer conteúdo de significado axiológico e ontológico. Porém, a filosofia de Tomás de Aquino possui uma definição clara, objetiva e completa do que é a dignidade da pessoa humana.

De maneira muito bem adequada ao método tomista, antes mesmo de definir-se a dignidade da pessoa humana, é preciso descobrir o significado do próprio termo dignidade e onde ela reside. A dignidade da pessoa supõe que o ser humano possui uma excelência ou eminência ontológica, de maneira que o homem tem uma superioridade no Ser. Todavia, excelente ou eminente é dito de modo absoluto e não relativo. Significa dizer que existe no ser do homem uma participação muito intensa no Ser absoluto, de alto patamar de grandeza. Essa excelência ou eminência, embora possua certa dimensão de relatividade, podendo significar que o homem é mais excelente ou eminente que as outras criaturas terrenas, possuindo uma qualidade de ser superior à delas, em verdade trata-se de uma outra ordem do ser. Ou seja, de acordo com esta perspectiva, o homem não é um animal de espécie superior, senão que pertence a outra ordem do ser, diferente, mais alta e eminente. A dignidade, portanto, é algo absoluto que pertencia à essência. (HERVADA, 2008, p. 309).

Nas palavras de Hervada (2008, p. 309), a dignidade “reside na natureza humana; é a perfeição ou intensidade de ser que cabe à natureza humana e é declarada da pessoa, enquanto esta é a realização existencial da natureza humana”. Trata-se, portanto, de uma condição particular e inerente ao ser humano. Todavia, o fato de ser absoluta, não significa dizer que é algo imanente e desvinculado, portanto ilimitado, conforme a perspectiva kantiana. Pelo contrário, o homem tem o ser por participação, sendo uma participação criada do Ser subsistente.

Considerando-se então que o homem é digno absolutamente, porém, por participação, isto significa que ele não possui direitos ilimitados e deveres autônomos impostos por si mesmo. Seus direitos e deveres são regulados por normas inerentes ao seu ser. Estas, portanto, são recebidas, tal como o seu próprio ser e sua dignidade. Deste modo, podemos dizer que os direitos e deveres do homem são limitados pelo seu ser, o qual possui apenas por participação do Ser subsistente.

Em relação a esses direitos e deveres, é importante salientar a questão da finalidade do homem. Essa finalidade é decorrente da dignidade intrínseca do homem. De fato, “os fins naturais estão presentes na constituição intrínseca do ser humano como orientação para os fins, em forma de inclinações naturais” (HERVADA, 2008, p. 310). Porém, existe uma maneira correta de relacionar a dignidade humana com os fins naturais dos homens. Inclusive, trata-se de uma relação que se tem de fazer necessariamente, pois a essência do ser humano possui uma constituição finalista, ou seja, uma causa final. Por esta perspectiva, os fins são fatores intrínsecos de dignidade do ser humano. Os direitos e deveres inerentes à dignidade humana seriam formados em função de tais fins, porém não os esgotando. Embora façam parte do ser como constituintes intrínsecos, tais fins não esgotam a dignidade da pessoa humana, pois não esgotam o seu próprio ser, como se a pessoa possuísse uma dignidade desvinculada de qualquer fim. Deduz-se, então, que da dignidade humana emanam os fins como sua própria expressão, os quais constituem direito e deveres inerentes à dignidade do homem. Tais direito e deveres são reflexos e expressão da dignidade humana (HERVADA, 2008, p. 311).

A partir do exposto, pode-se responder à pergunta do que significa a dignidade da pessoa humana na perspectiva do direito natural tomista: a dignidade humana consiste na eminência ou excelência do ser humano conforme a intensa participação no Ser subsistente, o qual o constitui como um ser dotado de debitude e exigibilidade em relação a si mesmo e aos demais homens. Nas palavras de Hervada (2008, p.311), “trata-se de um ente cuja ordem do ser compreende a ordem do dever-ser”.

Ainda, em conformidade com a ideia de eminência ou excelência exposta, a dignidade implica também a ideia de mérito ou merecimento e de comportamento adequado. O fato de uma pessoa possuir dignidade significa que ela merece um tratamento adequado a seu estatuto ontológico, havendo comportamentos conformes e desconformes a esse estatuto. Esta perspectiva indica que a pessoa contém em si uma regra objetiva dos seus próprios atos e também dos atos alheios em relação a ela. Em última análise, a dignidade humana seria constituída em regra de comportamento com seu fundamento e origem na própria natureza humana, sendo então objetiva.

REFERÊNCIAS

HERVADA, Javier. Lições propedêuticas de filosofia do direito. São Paulo: WMF Martins fontes, 2008.

NAÇÕES UNIDAS, Assembleia Geral das. Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral: Paris, 1948.

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