Retornando à Aristóteles

Nesse artigo, convido o leitor a retornar à filosofia clássica de Aristóteles. Proponho discutir aqui as concepções de alma, felicidade, virtudes e política. A intenção é explicá-las resumidamente, para facilitar o entendimento. Como referência teórica, utilizou-se o livro de Reale e Antiseri (2003), sobre a “História da Filosofia”.

Para Aristóteles, no mundo em que vivemos, existem seres animados e inanimados. A alma é a característica principal dos animados, diferenciando-os dos inanimados. Em sua vivência, esses seres possuem matéria e forma – duas concepções metafísicas. A matéria é a potência para a vida, enquanto a forma é o ato. O corpo material humano tem potência para a vida, mas não é vida, porque sua vida está, em ato, na alma.

A partir dessa concepção, Aristóteles propõe a divisão da alma em três partes. Elas são formas de lidar com os três tipos de fenômenos básicos da vida: a) de caráter vegetativo, como reprodução e nutrição; b) de caráter sensitivo, como sensação e movimento; e c) de caráter intelectivo, como o conhecimento e a deliberação. Para regular essas funções, respectivamente, a alma se divide em: a) alma vegetativa; b) alma sensitiva; e c) alma intelectiva. Os diferentes seres vivos possuem diferentes combinações de alma. As plantas possuem somente a alma vegetativa; os animais possuem vegetativa e sensitiva; e o ser humano possui as três – vegetativa, sensitiva e intelectiva.

A alma vegetativa é elementar para a vida, regula as atividades biológicas básicas como a nutrição e a reprodução. Na nutrição, o ser assimila algo diferente dele, ação mediada pelo calor, possibilitada pela alma. Também guiada pela alma vegetativa, os seres realizam a reprodução, que é o principal objetivo biológico da vida. Ambas as funções são essenciais para todos os seres vivos animados.

A alma sensitiva regula três funções dos seres vivos: as sensações, os apetites e o movimento. Para a função da sensação, os corpos vivos possuem a capacidade de sentir (potência). Os sentidos assimilam a forma do objeto sensível, assim, transformando potência em ato. Por consequência da sensação, os seres adquirem memórias e as acumulam, formando sua experiência. Alguns seres podem obter sensações de prazer e dor, e ao experimentá-las, têm o apetite ou o desejo de buscar o prazer. O movimento dos seres acontece a partir dos seus desejos, motor dessa operação. Os seres se movimentam pelo objeto desejado, captado pelas sensações.

Na alma intelectiva são operadas as funções racionais exclusivas ao ser humano. No ato sensível, são assimiladas as formas sensíveis, porém, no ato intelectivo, são assimiladas as formas inteligíveis. Elas existem por conta própria, são formas puras. Para obter o conhecimento intelectivo, necessita-se de inteligência. Ao captar essas formas, usando a inteligência, o ser humano as possui como conhecimento. Aristóteles, assim, divide o intelecto em dois – o intelecto passivo, que é apenas potência de conhecer as formas puras, e o intelecto ativo, que capta a forma e transforma sua imagem em um conceito possuído. Com base no conhecimento captado, tornam-se possíveis as deliberações e escolhas. O intelecto ativo “vem de fora”, mas permanece “na alma”. Para o filósofo, a origem do intelecto transcende o corpo sensível, configurando uma dimensão espiritual. Porém, o intelecto está na alma, tornando o humano capaz de utilizá-lo.

Na obra “Ciências Práticas”, Aristóteles estuda a conduta e o fim a ser atingido pelo homem. Para analisar o homem como indivíduo, o filósofo estudou a “ética”; considerando-o como parte da sociedade, estudou a “política”. Todas as ações do ser humano tendem aos “fins” que são “bens”. Dessa forma, há um “fim último” do ser humano, que é o “bem supremo” chamado de felicidade.

Aristóteles apresenta três definições insuficientes de felicidade: a) felicidade como prazer, que seria uma vida “digna dos animais”; b) felicidade como honra (ou sucesso, nos tempos atuais), que seria insuficiente por ser consequência do reconhecimento dos outros; c) e, por fim, felicidade como obtenção de riquezas, que seria uma vida absurda, porque riquezas são meios e não fins.

Como alternativa às concepções falhas de felicidade, Aristóteles apresenta sua proposta. Para o filósofo, a felicidade consiste naquilo que diferencia o ser humano de outros seres vivos. Assim, não se encontra no simples viver (alma vegetativa) ou nas sensações (alma sensitiva). O ser humano que deseja viver bem, ou seja, feliz, deverá viver de acordo com a razão (alma intelectiva). A felicidade consiste em viver segundo os valores da alma intelectiva, que deverá ser dominante em relação às outras almas.

A alma vegetativa, por ser elementar e biológica, não participa da razão. A alma sensitiva, por sua vez, participa, possuindo o dever de obedecer a razão. Para poder dominar essa parte da alma, Aristóteles apresenta as virtudes éticas, direcionadas ao comportamento prático. Essas virtudes permitem que a razão domine os impulsos, buscando a “justa medida” ou “meio-termo” entre os dois extremos: o excesso e a ausência das paixões. As virtudes éticas, por serem práticas, são adquiridas com o hábito, ou seja, com a repetição de atos sucessivos. Com esses hábitos, torna-se possível o domínio do sensível pela razão, aproximando o homem da felicidade.

Além das virtudes práticas, para Aristóteles, existem também as virtudes contemplativas, chamadas de dianoéticas. Essas são adquiridas pelas atividades da alma intelectiva, puramente reflexiva, ou seja, não é prática. Essas virtudes aproximam o ser humano do conhecimento das verdades imutáveis e do Bem último. Para aplicar esses conhecimentos à realidade concreta, utiliza-se a sabedoria, que governa a moralidade, determinando os meios para realizar os atos. De maneira alternativa, quando o fim é somente contemplativo, utiliza-se a sapiência, que leva o ser humano a entrar em contato com o divino, resultando na máxima felicidade.

Ao considerar o ser humano como parte da sociedade, Aristóteles o define como um “animal político”. O homem político não é apenas racional, mas também possui direitos políticos. Assim, Aristóteles limita a dimensão política do homem àqueles que gozam dos privilégios políticos. Para ser cidadão é preciso participar da administração pública, o que exclui camadas da sociedade como colonos, operários e escravos. Ressalta-se que os escravos eram considerados como instrumentos para a produção de bens, condicionados à essa função por natureza.

O filósofo Aristóteles apresenta diferentes formas de constituição do Estado – estrutura que dita a ordem da Cidade, estabelecendo seu funcionamento. Essa estrutura seria determinada por quem governa, dividindo-se em três opções: 1) por um só; 2) por poucos; e 3) pela maioria. Além disso, depende da intenção do governante, dividindo-se em duas possibilidades de governar: a) para o bem comum; b) para o interesse próprio. Assim, apresenta-se as seguintes formas de Estado: 1) Monarquia (por um só, para o bem comum); 2) Aristocracia (por poucos, para o bem comum); 3) República (ou politéia¸ pela maioria, para o bem comum); 4) Tirania (por um, para o interesse próprio); 5) Oligarquia (por poucos, para o interesse próprio); e, por fim 6) Demagogia (pela maioria, para o interesse próprio). Dentre essas possibilidades de Estado, Aristóteles considerava como melhor as duas primeiras. Porém, considerando a vida concreta, acreditava ser melhor a República, dada a natureza do homem.

A finalidade do Estado, para Aristóteles, é aumentar as virtudes. Na mesma medida em que são avaliadas as virtudes do ser humano, também serão avaliadas as virtudes do Estado. Assim, a Cidade perfeita e feliz é a Cidade virtuosa. Nesse sentido, o filósofo faz uma série de recomendações práticas, para que a Cidade alcance a “justa medida”: a) população equilibrada; b) territórios suficientes; c) cidadão deverá ter características gregas, que são o intermédio entre nórdicos e orientais; d) cidadãos devem ser guerreiros quando jovens e sacerdotes quando velhos, para aproveitar a força jovem e a sabedoria idosa; e) educar o cidadão singular para aumentar suas virtudes. Além da prática, Aristóteles argumenta que o ideal supremo do Estado é viver em paz e fazer as coisas belas. As ações da cidade deverão ser feitas com a finalidade de estabelecer a paz e a liberdade. Com isso, possibilita-se a realização de coisas belas, ou seja, a contemplação.

Referências:

Reale, G., & ANTISERI, D. (2003). História da filosofia: filosofia pagã antiga. São Paulo: Paulus1.

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