Como interpretar os resultados de um questionário de personalidade?

Interpretar os resultados de um questionário de personalidade pode ser uma tarefa confusa, difícil e até incômoda. Considerando essa problemática, o presente texto busca reduzir os obstáculos encontrados na interpretação dessas informações por meio de explicações simplificadas. Ressalta-se que a análise feita nesse texto utiliza especificamente no questionário Big Five Aspect Scale (BFAS), que mede os fatores – traços amplos – e aspectos – traços específicos – da personalidade, baseando-se no modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF) – conhecido internacionalmente como Big Five (DEYOUNG; QUILTY; PETERSON, 2007).

Ressalta-se, primeiramente, que esse texto foi realizado para complementar uma pesquisa que está sendo desenvolvida dentro do grupo AdmEthics. Essa pesquisa busca identificar os traços de caráter, baseando-se nos resultados de Cohen e Morse (2014), para auxiliar o ensino da Ética em Instituições de Ensino Superior. Na coleta de dados desse estudo, aplicou-se o questionário BFAS em uma amostra de estudantes. Porém, para que esses participantes possam obter retornos e benefícios com a pesquisa, elaborou-se esse texto. Portanto, o objetivo principal do texto é auxiliar na interpretação dos resultados individuais do teste de personalidade aplicado nessa amostra.

O conteúdo apresentado aqui complementa as explicações do texto “Um guia para o entendimento da personalidade: uma introdução ao Caráter Moral”. Portanto, torna-se imprescindível realizar previamente a sua leitura. Dentro da perspectiva apresentada, observa-se os traços de personalidade como uma estrutura preditora de sentimentos, pensamentos e comportamentos, ativados ou inibidos pela interação entre pessoa e situação (JOHN; NAUMANN; SOTO, 2008). É, na realidade, uma forma de observar agrupamentos de tendências que auxiliam no entendimento do ser humano. O modelo de personalidade mais estabelecido entre os pesquisadores é o Big Five, que a organiza em cinco traços abrangentes (ou fatores): Extroversão, Amabilidade, Neuroticismo, Conscienciosidade e Abertura à Experiência (JOHN; SRIVASTAVA, 1999). A partir desse modelo, foram desenvolvidos os aspectos da personalidade, que medem duas faces de cada fator apresentado (DEYOUNG; QUILTY; PETERSON, 2007).

Para medir os fatores e aspectos da personalidade, utiliza-se o questionário Big Five Aspect Scale (BFAS). Estruturado em 100 itens de autoavaliação, o teste organiza 20 itens para cada fator, e esses são divididos em 10 para cada aspecto da personalidade. Os itens são respondidos de acordo com a concordância, em uma escala Likert que varia de 1 a 5. Ou seja, o respondente avalia o quanto cada item o representa. Os resultados do questionário são obtidos por meio do somatório da concordância com cada fator e com seus respectivos aspectos. Assim, a pontuação dos fatores varia de 20 a 100 e a pontuação de cada aspecto varia de 10 a 50.

Para auxiliar a interpretação dos resultados do BFAS, esse texto será estruturado com base nas principais dúvidas que precisam ser respondidas para o entendimento do questionário. Ressalta-se que a intenção desse texto é apenas facilitar a compreensão dos indivíduos que responderam ao BFAS.

“Obtive maior pontuação em um dos traços, isso quer dizer que ele me representa por completo?”

Um traço não exclui o outro, portanto, não são excludentes, mas sim complementares. Por exemplo, se o respondente obteve a pontuação mais alta em Extroversão, esse fator, sozinho, não representa a sua personalidade, mas sim sua combinação com os outros quatro fatores. O mesmo acontece com os aspectos da personalidade. Portanto, o indivíduo avaliado deverá observar a combinação das pontuações nos cinco fatores e dez aspectos da personalidade, para obter o retrato da sua personalidade.

“O que significa uma pontuação alta, baixa e média?”

A partir do entendimento sobre como observar os traços de personalidade, torna-se necessária a interpretação da pontuação. O questionário mede o quanto cada traço representa a personalidade do respondente, portanto, uma pontuação alta deve ser interpretada como uma associação positiva entre o traço – fator ou aspecto – e as características pessoais do indivíduo. Ao mesmo passo, uma pontuação baixa descreve uma associação negativa, ou seja, o contraste do traço. Por exemplo, se o indivíduo pontua muito em Extroversão, possui tendência às características extrovertidas, enquanto uma pontuação baixa indica características introvertidas (o contraste).

Quando há uma pontuação mediana, é possível interpretar que o indivíduo possui o traço, mas que não existem tendências fortes e determinantes. Em um caso hipotético, se um indivíduo pontuar 50 no fator Extroversão (pontuação mediana), avalia-se que esse traço não o representa muito. Porém, ao analisar o nível dos aspectos da personalidade, esse indivíduo pode ter pontuado 50 em Entusiasmo e 0 em Assertividade – aspectos da Extroversão. Nesse caso, ambos os aspectos revelam informações importantes para compreender a pontuação no fator Extroversão. Portanto, como os resultados dos fatores da personalidade são complementados pelos resultados dos aspectos, recomenda-se que o respondente observe ambos, para obter a informação completa.

“Minha pontuação é alta, baixa ou média em relação à que?”

Para que essas pontuações façam sentido, os pesquisadores recomendam que o resultado individual seja apresentado em comparação com a distribuição de respectiva amostra (PIEDMONT, 2013). Isso é feito para que exista uma referência representativa para avaliar a proporção do resultado. Por isso, normalmente o respondente observa sua pontuação por meio dos percentis, que indicam onde ele se localiza na distribuição. Um exemplo de resultado seria: “sua pontuação coloca você no 95° percentil de Extroversão, ou seja, entre 100 pessoas em uma sala, você seria mais extrovertido do que 95 delas, e menos extrovertido do que 4”. Porém, essa comparação depende da natureza da amostra que está sendo comparada com o resultado do indivíduo. Se a amostra for probabilística (aleatória) e representativa, essa comparação pode ser generalizada. Em uma amostra específica, a comparação serve apenas para a população-alvo (BARBETTA, 2014).

“Esse teste vai mostrar se sou uma pessoa ruim? Será possível classificar em qualidades meus colegas ou a mim mesmo?”

O resultado do teste apenas apresenta os traços de personalidade que retratam as suas tendências à sentimentos, pensamentos e comportamento. Não existe, dentre os resultados, bases para avaliar a qualidade de uma personalidade de maneira geral. Portanto, não é possível afirmar que o participante possui uma personalidade ruim, ou uma personalidade pior do que a de seus colegas. Recomenda-se que o respondente não interprete o resultado de modo punitivo ou julgador com relação a si mesmo, mas que encare as pontuações como oportunidades de melhora, de acordo com os seus próprios objetivos pessoais.

Um exemplo disso é o fator Neuroticismo, que representa a instabilidade emocional. Normalmente, tende-se a interpretar uma pontuação alta como algo negativo, um defeito pessoal. Porém, esse resultado expressa uma ampla gama de tendências às emoções negativas, que possuem origens múltiplas e complexas. Por isso, torna-se imprecisa uma interpretação estritamente negativa desse fator da personalidade. Buscando a precisão, o alto Neuroticismo pode ser interpretado como uma oportunidade para refletir sobre sua instabilidade emocional. Recomenda-se que sejam feitos questionamentos acerca das possíveis causas das emoções negativas, suas possíveis manifestações e efeitos nos seus objetivos pessoais.

“Os resultados desse teste, na prática, servem para algo?”

Os traços de personalidade são importantes porque influenciam na maneira na qual os indivíduos interagem com ambientes específicos. Com base nisso, utiliza-se muito os testes de personalidade no campo das pesquisas sociais. Diversos autores realizaram estudos para identificar quais os traços que tendem a predizer comportamentos saudáveis, transtornos, bons relacionamentos, resultados acadêmicos e desempenho no trabalho (JOHN; NAUMANN; SOTO, 2008). Um exemplo de benefícios gerados por essas pesquisas foi a identificação de traços que podem se associar a transtornos em crianças e adolescentes. Esses traços ajudam a encontrar aqueles que estão em situação de risco, para desenvolver intervenções apropriadas (JOHN et al., 1994).

Para o indivíduo que realizou o teste, os resultados podem fornecer uma oportunidade de autoconhecimento. A partir da análise simplificada e ampla dos seus próprios traços, o respondente poderá alinhá-los aos seus objetivos pessoais. Por exemplo, se o indivíduo tem interesse em trabalhar em diversos tipos de organizações formais, de acordo com o estudo de Barrick e Mount (1994), o fator Conscienciosidade deveria ser estimulado. Nessa mesma pesquisa é possível observar os traços que tendem a predizer boa performance em diversas áreas de trabalho. Esse tipo de avaliação pode ajudar o indivíduo a perceber quais os traços de personalidade que mais produzem sucesso, dados seus objetivos, para que seja possível estimulá-los.

Ressalta-se que a discussão sobre benefícios dos testes de personalidade para o respondente é complexa e extensa. Portanto, no presente texto, esse tema não será aprofundado. Cita-se, somente, que existem oportunidades de utilização no nível do indivíduo, e que o principal benefício é o autoconhecimento.

Considerações Finais

Esse texto buscou responder aos principais questionamentos que podem surgir na interpretação dos resultados do teste de personalidade Big Five Aspect Scale (BFAS). Ressalta-se que existem limitações nessas explicações, já que elas não foram aprofundadas. Porém, todas baseiam-se em trabalhos científicos do campo da personalidade (expostos nas referências). Recomenda-se, para aprofundar a análise sobre o Big Five, o trabalho de John, Naumann e Soto (2008). Sugere-se também o artigo de Passos e Laros (2014), para observar o contexto atual das pesquisas brasileiras acerca do tema.

Uma outra recomendação de estudo é o recém lançado curso “Discovering Personality”, do professor Jordan B. Peterson, que trata especificamente desse assunto. Especialista na área, Peterson possui muitas publicações sobre o estudo da personalidade. Portanto, para aqueles que desejam se aprofundar de forma didática, com qualidade, sugere-se a compra do curso.

Referências:

BARBETTA, P. A. Estatística Aplicada às Ciências Sociais. Ed. da UFSC, 9 ed. Florianópolis, 2014.

BARRICK, M. R.; MOUNT, M. K. The big five personality dimensions and job performance: a meta‐analysis. Personnel psychology, v. 44, n. 1, p. 1-26, 1991.

COHEN, T. R.; MORSE, L. Moral character: What it is and what it does. Research in organizational behavior, v. 34, p. 43-61, 2014.

DEYOUNG, C. G.; QUILTY, L. C.; PETERSON, J. B. Between facets and domains: 10 aspects of the Big Five. Journal of personality and social psychology, v. 93, n. 5, p. 880, 2007.

JOHN, O. P. et al. The “little five”: Exploring the nomological network of the five‐factor model of personality in adolescent boys. Child development, v. 65, n. 1, p. 160-178, 1994.

JOHN, O. P.; NAUMANN, Laura P.; SOTO, Christopher J. Paradigm shift to the integrative big five trait taxonomy. Handbook of personality: Theory and research, v. 3, n. 2, p. 114-158, 2008.

JOHN, O. P.; SRIVASTAVA, S. The Big Five trait taxonomy: History, measurement, and theoretical perspectives. Handbook of personality: Theory and research, v. 2, n. 1999, p. 102-138, 1999.

PASSOS, M. F.; LAROS, J. A.. O modelo dos cinco grandes fatores de personalidade: Revisão de literatura. CEP, v. 70910, p. 900, 2014.

PIEDMONT, R. L. The revised NEO Personality Inventory: Clinical and research applications. Springer Science & Business Media, 2013.

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