A ética e a ascensão dos sentimentos

Adam Smith publicou em 1759 seu livro “Teoria dos Sentimentos Morais”. Nesta obra, o pensador escocês considerava que a base da moral consiste num sentimento de simpatia, isto é, na capacidade humana inata em se colocar no lugar de outras pessoas, na escolha em agir moralmente tendo-se em mente não o que uma ação pode trazer para si, mas nos efeitos que esta ação pode trazer a outros – e, intimamente relacionada a isso, a questão de se consideramos moral a ação de outra pessoa. Smith, assim, afirma que o sentimento moral se baseia no que acreditamos ser os interesses de outras pessoas em relação à nossa ação e em como nos sentimos se, em vez de agentes, formos os sujeitos de tal ação.

Smith ficou mais conhecido como economista do que filósofo moral, e me樂威壯 smo que alguns estudiosos vejam uma tensão entre o seu pensamento ético e o econômico, essa tensão desaparece quando se tem em mente que, numa sociedade de mercado, prospera o capitalista que coloca os interesses do público ao qual serve acima dos seus próprios, e oferece o produto que estes desejam, e não aquele que gostaria de oferecer. Para usar a própria metáfora de Smith, o cervejeiro, o açougueiro e o padeiro não são benevolentes, mas ao perseguirem seu interesse, agem de modo a satisfazer o nosso em comer pão, carne, e beber cerveja. Ao longo do século XIX, a teoria econômica tomou diferentes rumos, e embora ainda reverencie Smith pelo pioneirismo, não deixou de refutar o que estava errado em seu pensamento. Mas a filosofia moral o esqueceu.

Damos um salto cronológico, e nos encontramos em 1903, quando o filósofo britânico G. E. Moore, que ensinava em Cambridge, publicou seu livro “Principia Ethica”. Neste livro, ele advogava uma teoria moral que poderia ser resumida em um princípio central: o que alguém sente como o certo é o que deve ser considerado como moral. O agente agora não precisa considerar o sujeito da ação, não precisa simpatizar com ele: o sentimento, a intuição, de que está fazendo a coisa certa torna-o moral mesmo que não o seja. Moore hoje é pouco discutido no campo do pensamento moral – mas pelo menos um de seus mais ardentes entusiastas, John Maynard Keynes, continua sendo discutido no campo da economia. E, embora não haja, na teoria econômica de Keynes, nenhuma influência direta de Moore, sua filosofia nunca se desviou daquele princípio.

Hoje em dia, o pensador espanhol Carlos Elías, em seu livro “Science on the Ropes”, cita a política alemã Angela Merkel: as pessoas não estão mais interessadas em fatos, mas em emoções e sentimentos. O que importa não é mais a verdade, e sim o que as pessoas gostam. Um “like” no Facebook importa mais do que dizer a verdade. Elías critica os resultados dessa tendência para o pensamento e a atitude dos ocidentais para com a ciência, o que não é o objeto deste pequeno artigo; mas a mesma tendência tem efeitos graves no que entendemos por moral.

E o principal efeito, na minha opinião, consiste no fato de que o certo passa a ser o que se sente como certo. Esse sentimento nada tem de racional – é meramente o resultado de uma popularidade, é vazio de significado para o agente moral. A pessoa quer ser apreciada, quer ser curtida na rede social, quer ser popular, mas as ações morais nunca foram sinônimo de popularidade. As ações morais envolvem sentimentos? Claro que sim, mas antes de mais nada envolvem a razão, porque acreditar que algo é certo deriva de um esforço mental, de um pensamento, não de tentar descobrir o que os outros gostariam. É um sentimento pelos outros, e não dos outros. O agente moral pensa e age conforme uma mistura de sentimento e razão, não conforme o que as pessoas esperam.

Poderia ser diferente? Redes sociais divulgam, algumas vezes, decisões moralmente corretas, e ganham o respeito, o apreço e a admiração de várias pessoas. Nem sempre, entretanto, isso deriva de um esforço racional, mas sim do desejo de fazer o que os outros pensam estar correto e admirável.

É melhor do que nada, sem dúvida; agir certo porque é o que os outros admiram é melhor do que decidir por agir errado. Mas, se é verdade que sentimentos e razão nem sempre dependem um do outro, também é verdade que formam um time formidável quando atuam juntos no campo da moral. E hoje em dia, isso não parece estar ocorrendo: quando o certo é o que os outros gostam, quando o verdadeiro é o que os outros acham, sentir-se moralmente certo não deriva de pensar – e concluir – que se está certo. Fala-se hoje em “pós-verdade” sem jamais ter descoberto o que é verdade; meu medo é que um dia se fale em pós-moral sem jamais ter descoberto o que é moral.

Referências:

MACINTYRE, Alasdair. After virtue. 3rd. ed. Notre Dame: University of Indiana Press, 2007.

SMITH, Adam. An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations. Indianapolis: Liberty Classics, 1979.

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