Como vai a sua imaginação moral?

Neste texto vamos abordar a imaginação moral no ensino de ética em Administração. Nele você vai encontrar os seguintes tópicos:

  • Uma breve definição de imaginação moral e porque ela é importante para a ética na Administração
  • Duas alternativas que podem ajudar a ampliar a imaginação moral: narrativas literárias e a reflexão sobre filmes.

Imaginação Moral e sua Importância para a Ética Empresarial

Questões éticas são inerentes à nossa existência. Embora aqui tenhamos como foco a compreensão da ética no campo da Administração, o desenvolvimento do caráter se cultiva desde cedo e em várias esferas da vida. Nossos atributos qua seres humanos e nossas buscas por uma boa vida, no sentido aristotélico, nos levam a conviver e aprender, e isso, com o tempo, contribui para constituição de nossa visão de mundo. A forma como entendemos o mundo está conectada à imaginação moral.

Werhane (2019), autora reconhecida por suas contribuições para os estudos na ética empresarial, atentou para a importância da percepção, no entendimento de questões éticas. Sua discussão sobre a conduta em empresas no contexto norte-americano a leva a concluir que, por vezes, ocorre um fenômeno que ela chama de “amnésia moral”, porque na prática as ações se distanciam do previsto em regras e diretrizes. Como se explica a lacuna entre o que é geral (regras, princípios) e o que é local (conduta na prática)?

Segundo Werhane (2019), quando percebemos e refletimos sobre nossas experiências de vida podemos desenvolver a imaginação moral. A imaginação moral é uma capacidade humana que nos habilita a atentar (moral awareness) para as questões e sutilezas éticas presentes nas mais diversas situações. Essa sensibilidade para captar os detalhes da experiência vivida faz toda a diferença para entender se uma ação é eticamente correta ou não. Essa é uma premissa defendida desde Aristóteles (2009): os detalhes do contexto de ação importam.

            Se a imaginação moral nos permite melhor entender as circunstâncias contextuais, significa que, para esse entendimento, apoiamo-nos em algo em nosso julgamento/raciocínio, como a memória, os exemplos, os hábitos e experiências passadas, individuais e coletivas. Por isso Werhane (2019) percebe uma lacuna ou “amnésia moral” quando isso não é considerado. Mas além desse potencial para a compreensão do contexto (chamado de imaginação reprodutiva), a imaginação moral envolve outras duas etapas, de imaginação produtiva e criativa, conforme entendido por Werhane (2019):

  1. Imaginação reprodutiva: consciência do próprio contexto, consciência do “roteiro” ou esquema de funcionamento nesse contexto, e a consciência de possíveis conflitos morais ou dilemas que possam surgir nesse contexto;
  2. Imaginação produtiva: consiste na capacidade de elaborar novas possibilidades no âmbito da situação de cada um e/ou dentro do seu papel;
  3. Imaginação criativa ou livre reflexão: capacidade de visualizar possibilidades que não são dependentes do contexto, projetar e prever possibilidades que alguém eticamente correto (um exemplo moral) poderia vislumbrar. Isso inclui avaliar como se justificaria a atualização dessas possibilidades, bem como os desdobramentos de tais escolhas (Werhane, 2019). 

Uma das principais contribuições da imaginação moral para a Administração, com base em estudos anteriores (p.ex.: o livro sobre o tema Systems Thinking and Moral imagination, editado por Bevan, Wolfe, & Werhane, 2019), está em sua contribuição para um aprimoramento da tomada de decisões. Podemos presumir que a imaginação moral permite alguém se dar conta das circunstâncias de ação, das perspectivas de outros envolvidos, como clientes, empregados e demais stakeholders e, num aspecto maior, do envolvimento de uma organização nas grandes questões que acometem a realidade. Pense por um momento sobre o papel das organizações frente às crises humanitárias, desastres, situações de pessoas migrantes.

Meios para Cultivar a Imaginação Moral

Se por um lado, o papel da imaginação moral para o desenvolvimento do caráter é reconhecido, por outro, as condições do ensino no contexto brasileiro, bem como as práticas no ambiente corporativo, preocupam e dão indícios da distância que se tem a percorrer para que um administrador seja mais consciente do que faz e em como isso reflete em seu caráter.

No campo do ensino do caráter e de virtudes, alguns dos métodos que se têm empregado para enriquecer a imaginação moral de jovens e universitários são: a análise de livros da literatura, como também a discussão sobre filmes como recursos de ensino. Uma iniciativa bem-sucedida para o ensino do caráter e virtudes no Reino Unido, por exemplo, é um projeto desenvolvido pelo centro de pesquisa The Jubilee Centre for Character and Virtues, o qual atua com vários públicos, desde o ensino fundamental até o desenvolvimento de virtudes em setores profissionais. Um de seus projetos, o Knightly Virtues (Arthur, Harrison, Carr, Kristjánsson, & Davison, 2014), procura cultivar a imaginação moral por meio da análise de obras literárias, escolhidas criteriosamente. A subjetividade e o pensamento reflexivo podem ser o foco de desenvolvimento com tais iniciativas, as quais, além de contribuir para uma formação cultural, enriquecem o imaginário dos estudantes.

A análise de filmes como método de ensino, por sua vez, não é um método novo, sendo aplicado em muitas áreas, tais como no ensino de liderança, recursos humanos e tomada de decisão (para conferir uma revisão desses estudos veja Ames e Serafim, 2021; revisão da literatura – filmes e liderança). É um método que Werhane (2019) considera para aguçar a imaginação moral em ética na administração. Entre seus trabalhos, ela esteve a frente do projeto Big Questions, o qual oferece documentários que introduzem grandes questões da sociedade (disponível em http://www.bqnow.org). Ambos os métodos por ora abordados podem ser complementados com a organização de grupos ou clube de leitura, o que permite debater e compartilhar percepções sobre as obras.

            Buscamos dar destaque, nesse texto, para a imaginação moral e a sua importância para o ensino de ética em Administração. Ela permite vislumbrar possibilidades e perceber detalhes das circunstâncias. Duas alternativas para o seu fortalecimento foram citadas: a análise de obras literárias e a análise de filmes, mediadas pela orientação de um professor. A imaginação moral bem cultivada enriquece a capacidade de se dar conta do que está em jogo. Alguém que adquire esse conhecimento passa a ser responsável por ele, e ponderará de forma mais consciente sobre as suas ações.

Referências

Ames, M. C. F. D. C., & Serafim, M. C. (2021). Liderança à luz do Cinema: a análise de filmes como possibilidade de desenvolvimento da liderança. Anais…Semead 2021. Recuperado de https://www.researchgate.net/publication/357238133_Lideranca_a_luz_do_Cinema_a_Analise_de_Filmes_como_Possibilidade_de_Desenvolvimento_da_Lideranca

Aristóteles. (2009). Ética a Nicômaco. (A. C. Caieiro, Trad.). São Paulo, SP: Atlas.

Arthur, J., Harrison, T., Carr, D., Kristjánsson, K., & Davison, I. (2014). Knightly virtues: enhancing virtue literacy through stories. Birmingham: University of Birmingham.

Bevan, D. J., Wolfe, R. W., & Werhane, P. H. (Eds.). Systems Thinking and Moral Imagination: rethinking business ethics with Patricia Werhane. Chicago: Springer.

Werhane, P. H. (2019). Moral imagination and the search for ethical decision-making in management. In Bevan, D. J., Wolfe, R. W., & Werhane, P. H. (Eds.). Systems Thinking and Moral Imagination: rethinking business ethics with Patricia Werhane. (pp.63-84). Chicago: Springer.

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