Será que existem valores universais?

Traveling through the dark I found a deer

dead on the edge of the Wilson River road.

It is usually best to roll them into the canyon:

that road is narrow; to swerve might make more dead.

By glow of the tail-light I stumbled back of the car

and stood by the heap, a doe, a recent killing;

she had stiffened already, almost cold.

I dragged her off; she was large in the belly.

My fingers touching her side brought me the reason—

her side was warm; her fawn lay there waiting,

alive, still, never to be born.

Beside that mountain road I hesitated.

The car aimed ahead its lowered parking lights;

under the hood purred the steady engine.

I stood in the glare of the warm exhaust turning red;

around our group I could hear the wilderness listen.

I thought hard for us all—my only swerving—,

then pushed her over the edge into the river.”

O trecho acime é um poema de William Stafford que narra o episódio de um motorista que para seu carro durante seu trajeto para retirar o corpo de um animal morto da estrada, a fim de não causar nenhum acidente, porém ao empurrar o animal ele percebe que o mesmo está prenha, e vive um dilema entre se desfazer do corpo e evitar outro acidente ou tentar salvar um filhote. Ao discutir esse poema o autor contemporâneo Rushworth Kidder se pergunta “Qual é nossa obrigação diante do não exigível pela lei?”. Nesse sentido, esse post apresenta e discute os achados do autor contidos em seu livro Como Tomar Decisões Difíceis ou Como Escolher na Vida Entre o Certo e o Certo.

O caso apresentado diz respeito a um imperativo moral, ou seja, quando a situação pede para assumirmos a responsabilidade pelo que nos rodeia, mesmo que não tenha uma obrigatoriedade. Isso acontece em obediência a um conjunto de princípios não impostos, interno e, aparentemente, poderoso. O viajante parou devido a seus valores.

De acordo com o dicionário de Oxford, valores são “aquilo que merece estima por si mesmo, que tem merecimento intrínseco”. Por exemplo a “veracidade”, é um valor pois é algo de estima intrínseca, per si. Já a “dedicação” é tida como um meio, é necessário responder dedicação a que ou a quem, por tal, não é vista como um valor.

Se valores atributos que merecem estima por si mesmos, Kidder se pergunta: “existe algum conjunto de valores morais tão amplamente compartilhado pela humanidade que poderia constituir um código universal?”. A resposta vem de pesquisas científicas. Edwards Westermarck (1906) ao estudar grande diversidade de grupos sociais encontrou padrões éticos comuns, tais como proibição de assassinato, proibição de relação sexual entre membros imediatos da família e incentivo a gentileza, simpatia, hospitalidade, etc. Esses achados seminais foram confirmados pelas pesquisas de Brandt (1959). A própria declaração dos direitos humanos da ONU (1948) usou de consenso, estruturas universais e princípios centrais comuns a todas as culturas. O filósofo Bernard Gert (1970) propôs regras básicas ou fundamentais a moralidade. Já Hans Kung estudou as religiões do mundo e chegou a 5 mandamentos básicos.

O próprio autor do texto, entrevistou 24 pessoas representativas do pensamento ético de suas culturas, em 16 diferentes países, com a pergunta: “se pudesse formular um código global de ética para o século XXI, o que colocaria nele?”. Grupo após grupo chegaram a listas praticamente idênticas. Amor, verdade, justiça, liberdade, unidade, tolerância, responsabilidade e respeito a vida foram encontrados de forma incontestável. Enfim, concluísse que “Existe uma base bem argumentada para um código universal.

Uma outra posição poderia confrontar e propor um relativismo moral. Instituindo que toda ética é relativa, situacional, subjetiva, negociável e pode ser alterada por aqueles que desejem estabelecer as definições. Porém, mesmo aqueles que afirmam teoricamente não existir uma verdade objetiva, levam sua vida como se acreditassem em algo. O que temos que cuidar é para não abandonar toda a estrutura de preceitos ou proibições básicas e compartilhados – contra o roubo, por exemplo – simplesmente por causa do tio da mãe de algum lugar, ou seja, por causa de exceções muito específicas. Assim como não abandonamos toda a ordem newtoniana diante de algumas poucas exceções quânticas.

Esse relativismo pode minar o ensino de valores na escola, sugestões de códigos de conduta em organizações, toda a vida cívica como um geral, até mesmo no âmbito da relação entre países. Se todas as coisas são relativas, tudo requer debate e decisão. É por isso que juízes esportivos normalmente exigem linhas claras delimitando as quadras e campos esportivos, em vez de apenas uma camisa marcando cada canto. Sem limites e referências, talvez fosse impossível jogar.

Como conclusão, o autor retoma o exemplo o viajante que parou na estrada por um imperativo e acabou se vendo em um dilema moral. O reconhecimento de nossos valores centrais faz com que nos tornemos mais responsáveis e bem preparados para abordar as mais difíceis escolhas com as quais os indivíduos se defrontam. Pois existem poucas coisas que valem mais do que poder olhar-se no espelho a cada manhã e dizer: “Sim, fiz a coisa certa”.

Referências:

BRANDT, Richard B. Ethical theory. 1959.

DICTIONARY, Oxford English. Oxford english dictionary. Simpson, JA & Weiner, ESC, 1989.

GERT, Bernard. The moral rules: a new foundation for morality. Harper & Row, 1966.

KIDDER, R. M. Como tomar decisões difíceis: Como escolher na vida entre o certo e o certo. São Paulo: Gente, 2007. Cap. 4.

KUNG, Hans. Explanatory Remarks Concerning a ‘Declaration of the Religions for a Global Ethic’. 1996.

STAFFORD, William. Traveling through the Dark. Harper & Row, 1962.

WESTERMARCK, Edward. The origin and development of the moral ideas: in two volumes. Macmillan, 1906.

As visões e opiniões expressadas nos artigos são as dos autores e não refletem necessariamente a Política oficial ou posição do grupo AdmEthics

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