Tolkien e Tecnologia

J.R.R. Tolkien (1892-1973) foi um escritor e professor universitário britânico, conhecido principalmente por sua obra “O Senhor dos Anéis”. Tolkien é considerado um dos autores mais influentes do século XX. Sua obra literária criou um mundo imaginário e elaborado, com línguas, culturas e histórias próprias. Além de sua carreira literária, Tolkien era um acadêmico dedicado, especializado em línguas e literatura anglo-saxônicas, lecionando na Universidade de Oxford por mais de trinta anos. Traduziu para o inglês o poema épico “Beowulf”, que conta a história de um herói nórdico que enfrenta monstros e dragões para proteger seu povo; e também o livro de Jonas para a edição em inglês da “Bíblia de Jerusalém”. Tendo vivenciado um ambiente de grandes mudanças tecnológicas, como o surgimento do automóvel, do avião e da bomba atômica, Tolkien, formado por uma cosmovisão tradicional e cristã, tinha uma visão complexa sobre o avanço tecnológico e como as novas ferramentas deveriam participar na vida humana particular e em sociedade.

Tolkien via com certo ceticismo a melhoria civilizacional que o avanço tecnológico prometia. Sua visão era de que as novas tecnologias eram potenciais deformadoras de modos devida tradicionais e capazes de afetar valores e virtudes humanas que eram intimamente ligados com os velhos meios de se relacionar em sociedade. A industrialização e o progresso tecnológico também representavam para ele uma ameaça à conexão com o mundo natural e consequente perda de capacidade imaginativa e contemplativa, pois via a natureza como fonte de beleza e inspiração ao homem.

Em sua obra “O Senhor dos Anéis” frequentemente relacionou a tecnologia como ferramenta de forças malignas. Saruman, o poderoso mago e membro do Conselho Branco, que trabalhava para combater o mal, foi seduzido pelo poder do Anel e pela possibilidade de controlar a tecnologia e a indústria para seus próprios interesses. Usou seus poderes mágicos para criar um exército de Uruk-hai, seres híbridos que combinam a força dos orcs com a habilidade dos homens. Saruman é o retrato do senhor da indústria, associado a corrupção e destruição, ao utilizar o conhecimento e a ciência para fins maléficos. Além de representar a visão da natureza como principalmente um recurso a ser utilizado, sem a dimensão contemplativa e natural onde o homem se desenvolve e se inspira – como disse Tolstói: “há quem ande por uma floresta e só veja lenha para sua fogueira” – ou seja, sem a visão de que a natureza é um discurso divino que pode ser lido por participação e interação profunda.

Em contraposição os Hobbits são pessoas simples que viviam da terra e não dependiam muito de tecnologias, usavam apenas ferramentas simples e confiavam em sua capacidade de sustento. O modo de vida comunitarista dos Hobbits é consonante com uma profunda mensagem proferida por Gandalf: “Perigosos para todos nós são os instrumentos de uma arte mais profunda do que a possuída por nós mesmos”. Gandalf mostra que existem forças no mundo que estão além de nossa compreensão e controle, e que devemos ser cautelosos ao lidar com elas. Esta visão relaciona o impacto da tecnologia moderna em nosso modo de ser e entender o mundo, argumentando que a tecnologia moderna não é apenas um meio para um fim, mas se tornou uma:

“[…] força totalizadora que molda nossa compreensão da realidade e nosso lugar no mundo” (1. Carpenter, Humphrey. Op. Cit. P. 79). Assim como o Anel, algumas tecnologias têm o potencial de se tornarem forças que estão além do nosso controle e que podem trazer destruição e caos. 

As histórias fictícias de Tolkien contêm simbolismos intencionais e servem como fonte para entender a visão de Tolkien sobre as mais diversas matérias. E não é só em seus contos fictícios em que se observa sua aversão à tecnologia; entre seus fãs corre a anedota de que certa vez, Tolkien enquanto caminhava em Oxford com seu colega e amigo C.S Lewis, exclamou: “Oh não, um orc!” para uma motocicleta barulhenta que se aproximava. Sendo a história verdadeira ou não, é evidente a preocupação e aversão de Tolkien sobre os impactos da tecnologia no mundo natural, nos valores e virtudes dos homens. Em outro episódio, numa carta ao seu filho Christopher, em abril de 1944, disse¹:

Vamos a pleno maio agora, pelas árvores e pela grama. Mas os céus estão cheios de ruídos e tumulto. Agora, não é possível sequer manter uma conversa aos gritos no jardim, exceto por volta da 1 da manhã e das 7 da noite – a não ser que o dia esteja feio demais para sair. Como eu gostaria que a máquina de “combustão infernal” nunca tivesse sido inventada!

A máquina em questão era o automóvel. Longa é a discussão sobre a relação de Tolkien e o progresso industrial e tecnológico, neste texto me contentei em apenas expor algumas histórias e passagens introdutórias da vida e obra deste autor, as quais deixam evidente uma visão complexa e com intuições profundas sobre o papel da tecnologia na ambiência humana, podendo ser um meio de crescimento em virtudes, ou representando grande perigo ao atrofiar habilidades e virtudes humanas não mais requisitadas diariamente. Por fim, para Tolkien, se usadas sem sabedoria e sem um propósito nobre, as inovações tecnológicas podem levar à destruição e à opressão, em vez de melhorar a vida das pessoas.

Back To Top