Como afirmou o professor de Teoria das Organizações do IESE Business School (Universidade de Navarra, Espanha), Juan Antonio Pérez López (1912-1996), “a ciência não pode ter outro objeto senão ajudar os seres humanos a tomarem as decisões corretas”. Tais decisões podem ter um suporte técnico ou tecnológico, cujo critério é a adequação dos meios/recursos aos fins organizacionais – dentro dos limites cognitivos inerentes a esse processo –, e tendo como objetivo primordial a sobrevivência e o crescimento organizacional. Entretanto, também essas decisões podem estar amparadas na ética, que busca conciliar os bens, as normas e as virtudes com vistas ao crescimento do ser humano, tanto no âmbito individual quanto organizacional.
Ambas decisões – com suporte tecnológico e ético – podem ser mutuamente excludentes ou coincidentes. É mais comum considerar que a esfera econômica – e a Administração inclusa – limita a ética como um saber prático que cultiva as virtudes para a autorrealização humana (eudaimonia). Alguns mais incisivos diriam que a esfera econômica – ou especificamente o mercado – corrói ou corrompe qualquer traço de eticidade, moralidade ou caráter. Portanto, necessita-se de um aparato de controle desde fora cada vez mais sofisticado – como a burocracia (e seus vários disfarces), regulamentações institucionais, invasões de privacidade (às vezes sutis) por empresas e governos, incentivos (muitas vezes não declarados) para mudança de comportamento individual e social, entre outros – de modo que as pessoas realizem certos objetivos organizacionais ou econômicos. Porém, há um pressuposto latente que perpassa essa visão e que, por ironia, é um pressuposto ético, embora reducionista: o comportamento humano se fundamenta primordialmente no autointeresse. Devido a isso, considera-se que a liberdade está desvinculada da responsabilidade e, portanto, a pessoa necessita ser tutelada para se promover o interesse coletivo.
Diferentemente, a abordagem da ética das virtudes na Administração considera que decisões com suporte tecnológico e ético podem coincidir ou, indo além, é desejável que coincida, pois nos humanizamos na medida em que agimos eticamente, seja em que esfera for. E “agir eticamente” significa buscar a autorrealização, ou seja, melhorar em virtudes de modo que saibamos decidir (inteligência ou razão) e queiramos escolher (vontade) os bens materiais e imateriais necessários ao nosso crescimento e dos outros, bem como discernir sobre as leis e normas justas que auxiliam na orientação de nossa conduta. Um problema real que esta abordagem enfrenta não é necessariamente sobre como tomar boas e melhores decisões de maneira circunstancial, mas o de adquirir capacidades – ou hábitos operativos estáveis – para que seja possível ao agente sempre (ou na maioria das vezes) tomar boas decisões e ter a coerência de agir conforme essas decisões. Tais capacidades podem ser denominadas de virtudes morais ou competência moral e, na medida em que se desenvolvem no agente, os benefícios podem se espraiar pela organização ou pela vida humana associada, pois, paradoxalmente, as virtudes do agente não se confinam apenas nele mesmo, principalmente se possui um papel de liderança ou está em uma posição organizacional ou social mais determinante (de uma perspectiva da teoria de redes sociais). Deste modo, a ética das virtudes procura estabelecer o vínculo entre o agente e sua ação, jogando luzes em quem o agente se torna à medida que age, ou seja, há uma dimensão de aprendizagem moral e desenvolvimento do caráter do agente. Em outras palavras, o objetivo da ética das virtudes é nos tornarmos pessoas melhores (human flourishing).
* Esta é uma versão da apresentação do livro ‘Virtudes e Dilemas Morais na Administração’, organizado por Mauricio C. Serafim (AdmEthics, 2020 – no prelo). Publicação prevista para novembro de 2020.