Desafios da Produtividade em Quarentena: O Problema da Procrastinação.

Introdução

A pandemia do novo coronavírus está sendo um evento inédito para a sociedade. A magnitude do problema fez com que medidas de prevenção fossem tomadas. Entre elas está a quarentena – indicação dos órgãos da saúde para que indivíduos e famílias permaneçam em seus domicílios e evitem contato social. Seu cumprimento resulta no isolamento social necessário para desacelerar a proliferação do vírus. Contudo, uma medida que tem efeitos positivos evidentes pode gerar efeitos colaterais inesperados. Semelhantemente, além de seus benefícios, a quarentena pode causar problemas para seus praticantes, como o domínio da produtividade individual que, aparentemente, foi afetado por esse novo contexto.

Esse termo refere-se às atividades produtivas como trabalhar, estudar, se exercitar, entre outras. Para muitas pessoas, o ambiente de trabalho tornou-se o domicílio, já que empresas passaram a funcionar por meio de home office (PADIN, 2020). No meio acadêmico, diversas universidades e escolas implementaram o sistema de Educação à Distância (EaD), no qual a sala de aula passa a ser a própria casa do aluno (EXPONENCIAIS, 2020). Com o fechamento das academias ginásticas por meio de decretos municipais, os exercícios físicos precisam ser feitos em casa ou em ruas vazias (FLORIANÓPOLIS, 2020). Tudo isso faz com que as pessoas passem por uma mudança em sua forma de produzir.

Dentre os problemas relacionados à produtividade, destaca-se a procrastinação. No artigo de Piers Steel e Katrin Klingsieck (2015), esse termo foi definido como o atraso voluntário de uma atividade pretendida e necessária, mesmo sabendo que há um potencial negativo nesse atraso. Em termos práticos, pode ser visto como o fenômeno popular do “deixar para depois” ou também o “só mais um pouquinho”. Quase todo mundo procrastina de uma maneira ou de outra (SCHOUWENBURG, 2004). Porém, mesmo que seja comum, há casos em que a procrastinação se torna um problema sério.

Para que haja melhor compreensão sobre o fenômeno da procrastinação, certas distinções tornam-se importantes. Primeiramente, a procrastinação não engloba todo o tipo de atraso. Por exemplo, quando há uma entrega prevista para o próximo mês, mas há grande possibilidade de ela ser alterada ou cancelada. Nesse caso, “deixar para depois” poderia ser positivo, configurando o chamado atraso estratégico (CHU; CHOI, 2005). A procrastinação acontece quando há uma data definida, aparentemente estável, e mesmo assim é feito o atraso, sabendo-se das possíveis consequências negativas (KLINGSIECK, 2013).

Reflexão sobre a possível relação entre quarentena e procrastinação

De acordo com Steel e Klingsieck (2015), o fenômeno da procrastinação tem sido estudado por várias perspectivas. Neste artigo, adoto duas: a perspectiva situacional; e a perspectiva motivacional e volitiva. A primeira investiga a influência do ambiente na manifestação da procrastinação; a segunda observa o fenômeno como a falha motivacional que desenvolve a lacuna entre intenção-ação. Em ambas, a noção de autorregulação é importante porque trata de trocar as tentações do presente pelos objetivos de longo prazo (SCHOUWENBERG, 2004). Em meio a pandemia do novo coronavírus, a procrastinação pode ter sido impulsionada pela aparente modificação situacional, motivacional e volitiva.

Para muitas pessoas, a quarentena tem representado uma mudança de ambiente: o local de produtividade tornou-se, por certo período, o domicílio. Esse ambiente pode manifestar empecilhos, tentações ou demandas diferentes. Por isso, argumento que, para certas pessoas – talvez aquelas que já possuem tendências para a procrastinação –, a mudança de ambiente pode ter sido determinante para o atraso prejudicial de tarefas. Essa hipótese pode ser observada na literatura situacional, já que múltiplas pesquisas apontam a importância do ambiente no fenômeno da procrastinação (ZIESTAT; ROSENTHAL; WHITE, 1978; LOPEZ; WAMBACH, 1982; MULRY; FLEMING; GOTTSCHALK, 1994).

A mudança situacional causada pela quarentena pode afetar o aspecto volitivo – termo entendido como o processo cognitivo que transforma a intenção em ação (GOLLWITZER, 1996). A volição é conhecida popularmente como a força de vontade para realizar uma atividade proposta. Muitos empecilhos podem surgir entre intenção de realizar uma atividade e o ato de praticá-la. Portanto, esse processo está diretamente conectado com a motivação e a situação, e depende principalmente da autorregulação. Na quarentena, com a mudança de ambiente, o domicílio pode manifestar distrações e tentações contraproducentes. Por causa delas, pode haver o aumento da procrastinação, ocasionando um problema para a produtividade. A motivação e a volição são interligadas, ambas influenciando na procrastinação.

Observando o contexto geral da pandemia, torna-se possível refletir sobre outros aspectos da motivação. A crise gerada pela pandemia, por si só, já torna compreensível alterações na motivação e na força de vontade. Possíveis sentimentos comuns são: a sensação de perigo, a descrença política, a instabilidade financeira, entre outros. O indivíduo acaba tendo que lidar com essas preocupações em seu domicílio, isolado socialmente. A motivação, portanto, pode estar sendo afetada por emoções negativas sobre a situação externa, juntamente com a mudança situacional individual. Por meio desses dois processos, a quarentena pode interferir na motivação, modificando a dinâmica de produtividade dos indivíduos.

Para entender a dinâmica entre motivação e produtividade, recomendo a leitura do livro “The Procrastination Equation: How to Stop Putting Things Off and Start Getting Stuff Done”, de Piers Steel (2012), especialista no estudo da procrastinação. Utilizando elementos profundamente estudados pelas teorias motivacionais, o autor propõe uma equação que explica os achados na área da procrastinação.

Nessa operação de divisão os elementos que estão em cima devem aumentar, e os que estão embaixo devem reduzir, para que haja mais motivação:

  • Expectativa: confiança na conclusão da atividade, o quanto se acredita que o que foi proposto será concretizado.
  • Valor: qual o significado da atividade, o quanto de valor se atribui a ela.
  • Impulsividade: é a medição da distração. O quanto o indivíduo cede às suas tentações de curto prazo, a quantidade de ações impulsivas que atrapalham as tarefas.
  • Espera: o tempo para que se conclua o que foi proposto.

Para aumentar a motivação, deve-se confiar que a tarefa poderá ser concluída, e alinhá-la a algo de valor, algum propósito. Ao mesmo passo, deverá haver um esforço para controlar a impulsividade, para que não haja distrações. Esse processo é afetado pelo tempo que o indivíduo deverá esperar até a conclusão da atividade. Com base nessa equação, Steel (2012) apresenta em seu livro diversos tipos de técnicas que podem solucionar o problema.

É possível que os elementos da equação procrastinação-motivação estejam sendo afetados pela quarentena. Suponho que essa influência se dê principalmente no aumento da impulsividade e espera. A mudança situacional e volitiva poderia estar diminuindo a autorregulação, fato que aumenta a impulsividade. Em conjunto, a suspensão de prazos para atividades tornou-se uma medida padrão na pandemia. Por isso, o tempo de espera para a conclusão de atividades pode ter aumentado, também afetando a motivação, como demonstrado na equação de Steel (2012).

Considerações finais e limitações

Esse artigo buscou refletir sobre a produtividade em meio a pandemia do novo coronavírus. Observa-se a possibilidade da intensificação da procrastinação, causada pelo contexto da quarentena. Percebeu-se a mudança situacional, que pode interferir nos aspectos motivacionais e volitivos dos indivíduos. Esse contexto configura um problema para a produtividade em meio a quarentena. Ressalta-se as hipóteses levantadas por esse texto são reflexões teóricas não comprovadas empiricamente.

Existem soluções práticas para o problema da procrastinação, que podem ser aplicadas na quarentena. Para essa finalidade, recomenda-se o livro de Steel (2012), que indica estratégias que já demonstraram resultado. De forma complementar, em um texto futuro, pretendo apresentar as virtudes éticas como possíveis aliadas nesse processo. As habilidades contidas nas virtudes podem ser úteis para lidar com desafios gerados pela mudança situacional. Os desafios da pandemia podem criar a necessidade de adquirir tais habilidades.

Referências:

CHUN CHU, Angela Hsin; CHOI, Jin Nam. Rethinking procrastination: Positive effects of” active” procrastination behavior on attitudes and performance. The Journal of social psychology, v. 145, n. 3, p. 245-264, 2005.

EXPONENCIAIS, Escolas. Ensino à distância em tempos de coronavírus: recomendações da Unesco e diretrizes do MEC. Escolas Exponenciais. Disponível em: . Acesso em 19 Jun. 2020.

FLORIANÓPOLIS. Decreto nº 21569, de 14 de maio de 2020. Consolida as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da infecção humana pelo novo coronavírus (COVID-19) e dá outras providências. Diário Oficial do Município de Florianópolis, ed. 2690, p. 3-9, 14 mai. 2020. Disponível em: . Acesso em 19 Jun. 2020.

GOLLWITZER, Peter M. Benefits of planning. The psychology of action: Linking cognition and motivation to behavior, p. 287-312, 1996.

KLINGSIECK, Katrin B. Procrastination: When good things don’t come to those who wait. European Psychologist, 2013.

LOPEZ, Frederick G.; WAMBACH, Cathrine A. Effects of paradoxical and self-control directives in counseling. Journal of Counseling Psychology, v. 29, n. 2, p. 115, 1982.

MULRY, Gregg; FLEMING, Raymond; GOTTSCHALK, Ann C. Psychological reactance and brief treatment of academic procrastination. Journal of College Student Psychotherapy, v. 9, n. 1, p. 41-56, 1994.

PADIN, Guilherme. Empresas se adaptam e home office deve se consolidar após pandemia. R7: Economia. Maio de 2020. Disponível em: <https://noticias.r7.com/economia/empresas-se-adaptam-e-home-office-deve-se-consolidar-apos-pandemia-01052020>. Acesso em 19 Jun. 2020.

SCHOUWENBURG, Henri C. et al. Counseling the procrastinator in academic settings. American Psychological Association, 2004.

STEEL, P. The Procrastination Equation: How to Stop Putting Things Off and Start Getting Stuff Done. Harper Perennial. 2012.

STEEL, Piers; KLINGSIECK, Katrin. Procrastination. In: WRIGHT, J. D., The international encyclopedia of the social & behavioral sciences. 2 ed. Oxford: Elsevier, 2015. p. 73-78.

ZIESAT JR, Harold A.; ROSENTHAL, Ted L.; WHITE, Glenn M. Behavioral self-control in treating procrastination of studying. Psychological Reports, v. 42, n. 1, p. 59-69, 1978.

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