Políticas públicas têm se constituído numa das principais formas pelas quais os governos interferem na sociedade e modificam ações individuais e coletivas na busca de seus objetivos. É comum pensar nos diferentes tipos de políticas públicas a partir da classificação de Theodore Lowi, mas diversas tentativas de modificar ou expandir essa tipologia foram feitas nos últimos anos. E dentro dessas mudanças da classificação original, surge o conceito de morality policy.
Para Lowi, as políticas públicas são de quatro tipos:
- Constitutivas: estabelecem padrões gerais de funcionamento e regras para o governo, determinando a divisão do poder entre os atores políticos;
- Regulatórias: definem padrões de comportamento da sociedade e dos agentes públicos;
- Distributivas: utilizam recursos coletados junto à sociedade em geral para produzir benefícios para grupos específicos;
- Redistributivas: utilizam recursos retirados de grupos específicos para beneficiar outros grupos (SECCHI, 2010).
Mooney (apud MUCCIARONI, 2011) afirma que uma “política de moralidade” envolve discórdia a respeito de um princípio fundamental, e pelo menos uma coalizão de advocacy define essa questão como uma ameaça a algum de seus valores centrais. Assim, essa política envolve questões controversas que Engeli, Green-Pedersen e Larsen (2012) exemplificam pela eutanásia, o casamento homossexual, o aborto, entre outras, questões que apelam aos valores mais profundos de diferentes tipos de pessoas e, portanto, não são de fácil solução.
Para Knill (2013), as “políticas de moralidade” podem ajudar a determinar a política como um todo e se enquadram no tipo regulatório descrito por Lowi, podem ser compreendidas como tentativas de enquadrar (frame) questões de política pública, ou como conteúdos dessas políticas (buscando regular os valores sociais). De todo modo, essas políticas se relacionam com os valores morais, e nisso reside o seu maior problema.
É comum acreditar que questões éticas não têm lugar na política comum (ENGELI; GREEN-PEDERSEN; LARSEN, 2012), no entanto, esse tipo de raciocínio não se sustenta na prática. Atualmente, na vida em sociedade, as pessoas se defrontam cada vez mais com valores diferentes dos seus, com concepções distintas do que é o bem e do que é eticamente desejável; o respeito a essas concepções é essencial para que a sociedade possa funcionar. No entanto, quando o Estado intervém na definição desses valores, surge a pergunta: quais são os limites para essa intervenção?
Engeli, Green-Pedersen e Larsen (2012) afirmam que algumas questões, como o divórcio, já foram objeto de amplos debates morais, mas hoje estão incorporadas no ordenamento legal e político de diferentes países. Essas questões são reconhecidas pelo Estado e se tornam direitos que podem ou não ser exercidos. Para justificar essas políticas, o raciocínio é simples: se os seus valores religiosos te impedem de se divorciar, isso não deve impedir as pessoas que desejam fazê-lo. Assim, o Estado confere um status legal ao divórcio e o permite, mas não obriga ninguém a se divorciar.
Até aí, tudo bem. Quando as decisões de “política de moralidade” envolvem a sociedade como um todo ou, pelo menos, terceiros que não comungam dos seus valores, qual é o limite do Estado em implementá-las? Por exemplo, se o aborto é legalizado em qualquer situação, pode um médico se recusar a fazê-lo por questões de consciência? E pode uma pessoa, alegando motivos religiosos, recusar-se a pagar impostos para financiar um hospital público que o pratique?
No caso do médico, este não pode ser obrigado a proceder ao aborto, pois ele é um responsável direto; no caso do contribuinte, seus impostos financiam a saúde como um todo e não se pode provar que ele pagou pelo aborto do qual discorda por princípio. “Políticas de moralidade” parecem não ter limites em termos de questões que podem cobrir, mas precisam de limites em termos do quanto interferem com a moral individual. Em qualquer caso, as consequências são graves.
Para exemplificar: Max Arthur (2011) apresenta as histórias de cidadãos britânico que se recusaram a servir o exército durante a Primeira Guerra Mundial por motivos religiosos ou de consciência. O governo britânico não os puniu, não lhes suspendeu os direitos, não os prejudicou de nenhuma forma, mas eles sofreram com as críticas e acusações das pessoas comuns. Ainda assim, um preço menor do que o que foi pago por alguns cristãos alemães na Segunda Guerra Mundial, enviados a campos de concentração.
O Estado pode, por meios democráticos, legalizar o casamento homossexual ou o aborto em qualquer circunstância, ou proibir o consumo de bebidas alcoólicas. Mas nem mesmo a democracia pode obrigar uma pessoa a adotar esses valores como parte da sua moral.
Referências:
ARTHUR, Max. Vozes esquecidas da Primeira Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
ENGELI, Isabelle; GREEN-PEDERSEN, Christoffer; LARSEN, Lars Thorup. Introduction. In: ______; ______; ______ (Eds.). Morality politics in Western Europe: Parties, agendas and policy choices. Basingstoke: Palgrave MacMillan, 2012. P. 1 – 4.
KNILL, Christoph. The study of morality policy: analytical implications from a public policy perspective. Journal of European Policy Studies, London, v. 20, n. 3, p. 309 – 317, 2013
MUCCIARONI, Gary. Are debates about “morality policy” really about morality? Framing opposition to gay and lesbian rights. The Policy Studies Journal, Oxford, v. 29, n. 2, p. 187 – 216.
SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. São Paulo: Cengage, 2010.
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