Esta série de escritos continuar a apresentar, de forma sucinta, a biografia de Eric Voegelin a partir da obra “Reflexões Autobiográficas”, publicada em 2008, no qual oferece um contexto histórico e biográfico de suas motivações a partir do desenvolvimento e articulação de suas ideias em diversos campos do conhecimento.
Eric Voegelin destaca a importância de um círculo de indivíduos como Stefan George Kreis e Karl Kraus. O primeiro foi um poeta alemão que abriu portas para Voegelin conhecer a obra de Stéphane Mallarmé. O segundo permitiu a Voegelin aprofundar sua compreensão crítica da política e as atribuições da imprensa na desunião das sociedades alemã e austríaca, preparando o terreno para o nacional-socialismo.
Nesse período, Voegelin passa a refletir sobre a importância do trabalho com a linguagem:
“As ideologias destroem a linguagem, uma vez que, tendo perdido o contato com a realidade, o pensador ideológico passa a construir símbolos não mais para expressá-la, mas para expressar sua alienação em relação a ela. Transpor esse simulacro de linguagem e restaurar a realidade por meio da restauração da linguagem era o trabalho não só de Karl Kraus, mas também o de Stefan George” (Pg. 39).
Voegelin foi atraído pelos estudos de Hans Kelsen por conta do rigor de suas análises. Kelsen não só desenvolveu A Teoria Pura do Direito, como também delineou a Constituição Austríaca de 1920 e atuou como membro do Tribunal Constitucional. Entretanto, o biografado divergiu de Kelsen por conta de diferenças ideológicas na obra “Teoria Pura do Direito”. As divergências entre os dois tiveram fundamento em fontes diferentes de ciência política.
Na verdade, os acontecimentos políticos foram estímulos fundamentais para Eric Voegelin se aprofundar em seus estudos. Segundo ele, a partir do momento em que se vivencia uma época marcada pela ascensão da revolução comunista na Rússia, a corrente marxista se torna um tema importante para um cientista político.
Voegelin defendia que uma das virtudes indispensáveis em um homem de ciência era a intellektuelle Rechtschaffenheit, que podemos traduzir por honestidade intelectual. As ciências sociais, particularmente ciências humanas em geral, consiste em áreas de atuação que exige uma intenção honesta do estudante para examinar a estrutura da realidade, e as ideologias – como positivismo, marxismo ou nacional-socialismo, constroem edificações insustentáveis e incompatíveis com a ciência.
Outro motivo do distanciamento de Voegelin para com as ideologias é a destruição da linguagem. Um exemplo que ele fornece está na ocultação das premissas de Hegel e Marx. Voegelin escreveu que as premissas deles estavam equivocadas.
Em um dado momento da vida, Voegelin passou a estudar a língua chinesa e seus símbolos a partir de alguns de seus trabalhos envolvendo instituições políticas chinesas. Leu as obras clássicas de Lao-Tsé e Confúcio, e aprendeu que “a representação existencial sempre é o núcleo central do governo bem-sucedido, independentemente dos procedimentos formais que alçam o governo existencialmente representativo à sua posição” (Pág. 103).
Essa representação existencial consiste na simbolização do governo enquanto representante da ordem divina no cosmos. Segundo Voegelin, “nada mudou nessa estrutura fundamental da ordem política, nem mesmo nos impérios ideológicos modernos. A única diferença é que o deus foi substituído por uma ideologia da história, agora representada pelo governo investido de sua função revolucionária” (Pág. 104).
REFERÊNCIA
VOEGELIN, Eric. Reflexões Autobiográficas. São Paulo: É Realizações, 2008.