Crises, tragédias e desastres têm características muito particulares de incerteza e que exigem diferentes relacionamentos e responsabilidades para sua resposta e solução, com tomada de decisões extremamente difíceis. A filósofa Naomi Zack (2009) – uma das principais referências sobre ética dos desastres – esclarece que existem aspectos desses eventos que vão além dos fatos evidentes, sendo vistos em obrigações, valores e escolhas em que emoções e desafios da mesma existência coexistem, se acomodam e se conflitam (Tavares & Barbosa, 2014).
Apesar de existirem estudiosos que se esquivam de discussões morais ligadas a eventos de desastres com base na premissa de que não são causados por agentes morais (Murray, 2011), Zack (2009) defende que eles dizem respeito ao bem-estar e às razões pelas quais as pessoas têm uma obrigação moral geral de não prejudicar os outros e de ajudar os que sofrem ou necessitam.
Considerando o argumento de Zack, o impressionante resgate dos doze meninos e seu técnico de futebol que ficaram, ao todo, dezessete dias presos em uma caverna na Tailândia é um recente caso em que elementos éticos estiveram constantemente presentes: seja nas ações dos adolescentes, do técnico, dos mergulhadores, dos responsáveis pela coordenação da operação ou das autoridades públicas envolvidas.
Para Zack (2009), a adequada preparação de operações, tal como a realizada na Tailândia, trata-se de uma “prudência obrigatória”. De forma similar, a falta de preparação é vista como uma questão moral no campo da ética dos desastres, ou seja, uma “falha da prudência obrigatória”. Ainda dentro desse campo, Jenson (1997) acredita que diferentes dilemas morais podem surgir quando os gestores se deparam com perguntas como: Como as decisões éticas devem ser tomadas? Quais princípios e valores devem guiar os envolvidos em processos éticos durante tragédias? O que é uma ação responsável em resposta às necessidades humanas?
No caso dos meninos tailandeses, a equipe de coordenação do resgate inicialmente planejou realizar o resgate dos meninos mais fortes primeiro. Essa opção seria devido à própria complexidade da operação que nunca havia sido realizada e para que os mais fracos pudessem se fortalecer e enfrentar o desafio que estava por vir. Contudo, um médio e mergulhador australiano foi chamado a caverna e a estratégia foi revertida para o resgate dos mais fracos primeiro, uma vez que a previsão de chuva parecia se confirmar e o resgate poderia ser prejudicado.
Refletir sobre essa decisão traz, além dos aspectos técnicos, também um dilema moral, principalmente àqueles que não estão habitualmente acostumados ao trabalho em tragédias: deve-se resgatar quem necessita de assistência médica mais urgentemente, mas que poderia não resistir à operação de resgate devido à fraqueza e complexidade da ação OU deve-se resgatar quem tem mais condições físicas e de saúde para resistir às dificuldades de uma operação nunca realizada e para sobreviver enquanto os mais fracos se fortalecem?
Ao colocar a questão dessa forma e mostrar os prós e contras de ambas alternativas talvez fique mais clara a compreensão da situação. Entretanto, como ficam as famílias daqueles meninos que precisavam aguardar um ou dois dias a mais para serem resgatados?
Segundo o site da BBC (2018), há um ditado tailandês que diz: “Evitarás ofender a quem te ajuda pedindo mais do que este lhe dá.” Com essa convicção, outra deliberação ética, provavelmente baseada na cultura daquela comunidade, foi de não divulgar os nomes dos primeiros resgatados. “Pressionar as autoridades em um momento como este poderia ser considerado ingrato, desrespeitoso e ainda por a operação em risco” (BBC, 2018). Além disso, Narongsak Osottanakorn, chefe da equipe de resgate, explicou que as identidades não foram reveladas por respeito às famílias dos meninos que permaneciam presos. Assim, a comemoração de uma família não causaria angústia àquelas que ainda aguardavam por notícias (BBC, 2018).
Esse caso nos mostra que, tão importante quanto considerar aspectos que são, essencialmente, de natureza técnica, é compreender que a complexidade de sua gestão se desenvolve na medida em que enfrenta conflitos ou necessita de deliberações baseadas em fatores humanos e subjetivos, tal como a deliberação ética. Reforça-se, assim, a importância do tema e a discussão da ética dos desastres – sejam eles naturais ou não – nos dias atuais.
Referências:
BBC. Resgate na Tailândia: Por que identidade de crianças salvas demorou a ser revelada até para os pais? Disponível em: . Acesso em 10 ago. 2018.
JENSON E. Disaster Management Ethics. UNDP Disaster Management Training Programme, 1997. Disponível em: . Acesso em 10 ago. 2018.
TAVARES, L. M. B.; BARBOSA, F. C. Reflexões sobre a emoção do medo e suas implicações nas ações de Defesa Civil. Ambiente e Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 4, p. 17-34, 2014.
ZACK, N. Ethics for Disaster. Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 2009.