Novamente algumas palavras sobre o rigor conceitual, metodológico e teleológico necessário ao modo de vida acadêmico

Em texto publicado recentemente, afirmei que o modo de fazer ciência baseado no produtivismo  tem desvirtuado a formação de pesquisadores e de docentes, no âmbito das pós-graduações em administração. Meu diagnostico foi o seguinte: a ampla totalidade do fazer e do produzir acadêmico, que envolve atividades tão variadas e distintas, como leituras, estudos, pesquisas, conversas, avaliações de artigos, participações em bancas, em congressos, orientações, aulas, gestão universitária etc., tem sido subsumida à “produção formalística e alienada de papers”, resultando na conversão da produção acadêmica em produtivismo acadêmico (Sá et all, 2020, p. 172). A naturalização desse produtivismo que institui e, ao mesmo tempo, é instituído por uma forma específica de sociabilidade acadêmica no âmbito da pós-graduação stricto sensu tem levado, por um lado, ao desprezo pela formação pedagógica de mestres e doutores nos cursos de pós-graduação stricto sensu e, por outro, à deturpação do que seja a formação de um pesquisador, ainda que epistemologia e metodologia figurem entre as disciplinas obrigatórias.

De maneira a combater essa situação patológica, eu e Paulo Grave temos defendido uma proposta para reabilitar o processo de formação de mestres e doutores nos cursos de pós-graduação stricto sensu em administração. Em linhas gerais, essa proposta consiste em uma educação para a virtude (Azevedo & Grave 2014; 2020). Logicamente que não se trata de uma educação para uma virtude qualquer, mas de uma educação própria ao modo de vida acadêmico, daí dizermos educação para a virtude acadêmica. Seu cerne consiste na hipótese de que o spoudaios academicus é um agente cujo modo de vida (acadêmico) reflete o alcance de rigor conceitual, metodológico e teleológico (RCMT) no desempenho das atividades que se destinam à construção do saber administrativo, no caso, o estudo, a conversa e a pesquisa. É a possessão do RCMT pelo agente o ingrediente principal que viabiliza que o conhecimento administrativo por ele construído possa alcançar sua validade necessária perante os pares.

O sociólogo Wright Mills, por exemplo, tinha clara consciência da necessidade desse rigor na formação de quem se lança na empreitada acadêmica (e intelectual), conforme podemos depreender das passagens abaixo:

Somente através de conversas em que pensadores experientes trocam informações sobre suas maneiras efetivas de trabalhar é possível comunicar uma noção útil de método e teoria ao estudioso iniciante” (Mills, 2009, p. 21).

Numa comunidade [acadêmica] … vigorosa, haveria interlúdios de discussão entre indivíduos sobre o trabalho futuro. Três tipos de interlúdios – sobre problemas, métodos e teorias – deveriam resultar do trabalho de cientistas sociais, e conduzir a ele novamente; (…) É para interlúdios como esses que uma associação profissional encontrar sua razão intelectual de ser. (Mills, 2009, p. 25).

Não sei quais são as plenas condições sociais para a melhor produção intelectual, mas certamente cercar-se de um círculo de pessoas dispostas a ouvir e falar – e por vezes elas terão de ser personagens imaginários – é uma delas. (Mills, 2009, p. 28). 

Opiniões como a de Mills, assim como exemplos de pessoas com as quais convivi e tenho convido – o próprio Paulo Grave se constitui para mim como um grande referente –, fortalecem em mim a convicção de que o RCMT deveria instituir-se como uma qualidade de mestres e doutores em nossa área. Enquanto uma disposição {hexis} do acadêmico, este rigor está afeto à busca de um certo objeto de estudo, que é representado pelo conceito e tão somente por ele; a de um método apropriado de apreensão de tal objeto; e a de um certo saber a que ele se refere ou que nos interessa, constituído por uma relação única entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscitivo, em um determinado modo de vida.

Minha expectativa é que, em breve, possamos finalizar nossos estudos a respeito do assunto e apresentá-los ao grande público. Por ora é o que tenho a dizer.

Bibliografia

AZEVEDO, A.; GRAVE, P. S. Prolegômenos a toda administrologia possível: administração – o que é isso? Organizações & Sociedade, v. 21, n. 71, 2014, p. 695-712.

AZEVEDO, A.; GRAVE, P.S. O administrador como agente virtuoso. In: SERAFIM, M.C. (Org). Virtudes e dilemas morais na administração.Florianópolis: AdmEthics, 2020, p. 89-102.

MILLS. C.W. Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

SÁ, M.; Alcadipani, R.; Azevedo, A.; Rigo, A.S.; Saraiva, L.A.S. De onde viemos, para onde vamos? Autocríticas coletivas e horizontes desejáveis aos Estudos Organizacionais no Brasil. RAE-Revista de Administração de Empresas, v. 60, n. 2, p. 168-18, 2020.

Sindicato Nacional dos docentes do Ensino Superior – ANDES- SN. Acesso (2021), link: http://portal.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=9149

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