Um guia para o entendimento da personalidade: uma introdução ao Caráter Moral

Entender sua própria personalidade é um dos caminhos para o autoconhecimento. O objetivo deste artigo é explicar os cinco grandes traços de personalidade e seus respectivos aspectos, para que o leitor possa se localizar e compreender um pouco sobre o estudo da personalidade. Ao final do texto, também serão apresentados os traços que possivelmente predizem o comportamento moral, para facilitar a compreensão do Caráter Moral.

personalidade será tratada aqui como a organização de características únicas dos indivíduos, que descrevem e explicam seus padrões de sentimentos, pensamentos e comportamentos. Estas características são os traços de personalidade, que representam as tendências na forma de pensar, sentir e agir; são predisposições para responder à estímulos (JOHN et al., 2010).

O estudo de traços possibilita relações com diversas variáveis, sendo uma delas o comportamento moral. Com base no conceito de personalidade, Cohen e Morse (2014) definem o Caráter Moral como os padrões de pensamento, emoção e comportamento que são associados com o comportamento moral ou ético. Portanto, traços de caráter são os traços de personalidade relevantes para a moralidade e para a ética.

Como os traços de caráter são um subconjunto dos traços de personalidade (COHEN et al., 2014), faz-se necessário entender primeiramente quais são os grandes traços. Para isso, a partir de agora será apresentada a principal estrutura de personalidade utilizada pelos pesquisadores da área.

Big Five é um modelo que divide a personalidade em cinco grandes dimensões: Extroversão, Amabilidade, Conscienciosidade, Neuroticismo e Abertura à Experiência (JOHN et al., 2010; DE ANDRADE, 2008). Estes são os traços mais amplos de personalidade, chamados de fatores (ou domínios). Para avaliar os menos amplos, neste texto, serão utilizados os aspectos de personalidade descobertos por DeYoung, Quilty e Peterson (2007).

Antes de explicar o Big Five é preciso fazer uma observação. Estes traços são características amplas de personalidade, portanto, não abrangem todas as características individuais do ser humano. Porém, atualmente, são a melhor forma de medir a personalidade, que neste caso é a combinação das pontuações nessas cinco dimensões, que podem ser obtidas através de questionários de avaliação psicológica como por exemplo o NEO-PI-R e a BFP. A explicação abaixo se baseia no questionário Big Five Aspects Scale, que analisa os cinco domínios e seus aspectos em 100 itens medidos através de uma escala likert de 5 pontos (DEYOUNG; QUILTY; PETERSON, 2007).

O Big Five

Extroversão

Este fator mede a quantidade e intensidade de interações interpessoais. Portanto, pessoas que pontuam muito neste domínio tendem a gostar muito de interações com os outros, tendo uma abordagem cheia de energia em relação ao mundo social. São indivíduos ativos, entusiasmados, dominantes, sociáveis e conversadores. Estes, também tendem a possuir características alegres (emoções positivas).

As pessoas que possuem pontuações baixas neste fator, possuem a característica da introversão. Os introvertidos não se alimentam de interações com pessoas, preferem evitar este tipo e situação, que pode ser desgastante. Eles tendem a ser mais retraídos, submissos e quietos. Podem até possuir habilidades sociais, mas simplesmente preferem evitar o contato com pessoas.

Assertividade é um aspecto característico da Extroversão. Indica a ideia de dominância social, bem como a influência sobre os outros. Pessoas que pontuam bastante neste aspecto tendem a ter personalidade forte, assumir a liderança, o controle da situação, e colocar as suas opiniões para fora sem dificuldades.

Outro aspecto da Extroversão é o Entusiasmo que descreve a abordagem cheia de energia e as emoções positivas. A pessoa que pontua muito neste aspecto tende a fazer amigos facilmente, ser simpática, se divertir bastante e se empolgar facilmente.

Amabilidade

A Amabilidade, também conhecida como Socialização, avalia a qualidade das relações interpessoais, medindo se o indivíduo é orientado em direção aos demais. O indivíduo com alta Amabilidade tende a ter uma abordagem pró-social e comunitária em relação aos outros, com alta probabilidade de construir relações agradáveis. Normalmente, pessoas que pontuam muito neste fator tendem a ser amáveis, cooperativas e afetuosas, possuindo características como o altruísmo, a ternura, a confiança e a modéstia.

A pessoa que possui baixa Amabilidade tende a ser fria e indelicada com relação aos outros, podendo ser cínica, rude, desconfiada e não-cooperativa. Além disso, também tende a ser manipuladora, vingativa e até desonesta.

Um dos aspectos da Amabilidade é a Compaixão, que mede a afiliação emocional com os outros. Uma pontuação alta nesse aspecto indica que o indivíduo tende a se afiliar com os outros emocionalmente, normalmente se interessa e se preocupa com os problemas e necessidades dos outros, são prestativos e sentem as emoções dos outros, ou seja, possuem empatia.

O segundo aspecto é a Cortesia (Politeness), que mede o respeito com relação aos outros, caracterizando um processo mais racional do que o da Compaixão. Indivíduos que pontuam alto em Cortesia tendem a ser educados, modestos, morais e respeitosos, porém, provavelmente também não procuram e nem gostam de conflitos. Uma baixa pontuação aqui revela indícios de narcisismo e a tendência a perseguir seus próprios desejos aos custos dos outros.

Conscienciosidade

Este fator avalia o grau de organização, persistência e motivação do indivíduo em seu comportamento dirigido para os objetivos. Indivíduos com alta Conscienciosidade normalmente são organizados, autodisciplinados, trabalhadores, pontuais, ambiciosos e perseverantes. Tendem a conseguir pensar antes de agir, além de resistir à tentação de um prêmio imediato para conseguir uma premiação maior no futuro. Possuem também um comportamento direcionado a tarefas e objetivos. Estas características podem facilitar a execução de obrigações e deveres.

Pessoas com pontuações baixas em Conscienciosidade normalmente, tendem a ser descuidadas, desorganizadas, preguiçosas e negligentes, não possuindo um comportamento orientado para objetivos e tarefas

Um dos aspectos deste fator é a Laboriosidade, que avalia o compromisso com o trabalho. Pessoas com alta pontuação nesse aspecto tendem a executar o planejado, não desperdiçam tempo e trabalham muito.

O segundo aspecto é a Organização (Orderliness), que mede a necessidade de colocar as coisas em ordem, organizando coisas, tarefas e comportamentos. O indivíduo que pontua muito aqui tende a seguir rotinas, cumprir e verificar o cumprimento de regras. Além disto, o perfeccionismo também é uma característica deste aspecto.

Neuroticismo

Esta é a dimensão das emoções negativas. O fator Neuroticismo avalia a instabilidade emocional dos indivíduos, identificando propensão para perturbações. Pessoas que possuem alto Neuroticismo normalmente possuem características como ansiedade, nervosismo, tristeza e tensão, configurando a instabilidade emocional. Também podem ser altamente sensíveis e preocupadas.

Uma pontuação baixa em Neuroticismo indica a estabilidade emocional. O indivíduo emocionalmente estável normalmente é calmo, descontraído, não emotivo e satisfeito consigo mesmo.

Volatilidade é um aspecto deste fator. Ela mede a instabilidade emocional relacionada à irritabilidade e dificuldade de controlar impulsos emocionais. Portanto, uma alta pontuação indica uma dificuldade em controlar emoções, propensão a mudanças de humor e alta irritabilidade.

Outro aspecto do Neuroticismo é o termo Withdrawal (solidão, isolamento) que avalia o quanto o indivíduo é suscetível à efeitos negativos. Enquanto a Volatilidade era caracterizada pela externalização de problemas, o aspecto Withdrawal caracteriza-se pela internalização. Indivíduos com alta pontuação nesse aspecto tendem a sentir emoções negativas e guardá-las para si mesmos.

Abertura à Experiência

A Abertura à Experiência avalia a dimensão da imaginação e do intelecto, medindo a proatividade e a apreciação da experiência por si só. Indivíduos que pontuam muito aqui normalmente são curiosos, criativos, originais, imaginativos e fogem do tradicional. Também possuem mente aberta e traços artísticos.

A baixa pontuação neste fator prediz um indivíduo convencional, que possui interesses limitados, com poucos traços artísticos e pouco analítico.

Acima, foram citados traços relacionados à abertura, porém, este fator também prediz a reflexão e a capacidade de raciocínio. A partir disto foram traçados os dois aspectos: a Abertura em si, e o Intelecto.

Intelecto é o aspecto deste fator que mede o interesse em ideias. Pessoas que pontuam muito aqui tendem a entender ideias complexas e gostam de discussões abstratas.

Outro aspecto é a Abertura em si, que avalia a dimensão da imaginação e da fantasia. Indivíduos que pontuam muito neste aspecto tendem a ser criativos e gostar de novas experiências.

Considerações finais e os traços de Caráter

A partir da compreensão do Big Five, faz-se o seguinte questionamento: quais os traços de personalidade que compõem o Caráter Moral? Muitos estudos foram feitos neste sentido, buscando relações específicas com o Big Five. Os resultados obtidos não garantem uma consistência entre os traços e a moralidade, porém, destacam-se a Abertura à Experiência, a Amabilidade e a Conscienciosidade como preditores do comportamento moral.

A relação com a Abertura à Experiência se dá pela capacidade de raciocínio que pode ser medida pelo aspecto do Intelecto. Pesquisas como a de Cawley, Martin e Johnson (2000) e de Lonky e seus colegas (1984), indicam que o raciocínio moral possui associação com a Abertura à Experiência.

Quanto à Amabilidade, alguma relação pode ser feita com o comportamento moral, já que este fator engloba o traço da Honestidade-Humildade, que caracteriza o interesse de manter relações sociais positivas (COHEN et al., 2014).

Conscienciosidade também pode estar relacionado ao comportamento moral. Russell (1997) encontrou uma relação forte entre Conscienciosidade e o desenvolvimento moral. O autor justifica este achado pelo fato de que pessoas com Conscienciosidade elevada tendem a cumprir rigorosamente seus deveres sociais e cívicos.

Porém, isto não quer dizer que uma pessoa com alta Extroversão ou alto Neuroticismo seja imoral. Como estes dois fatores não possuem uma relação consistente, não é possível afirmar algo deste tipo. Os estudos citados acima apenas mostram possíveis relações, e não uma condição absoluta.

Para pesquisas mais aprofundadas sobre Caráter Moral, sugiro a leitura do trabalho de Taya R. Cohen, exposto nas referências, e do handbook de Oliver P. John – um clássico dos estudos de personalidade.

Referências:

CAWLEY III, Michael J.; MARTIN, James E.; JOHNSON, John A. A virtues approach to personality. Personality and individual differences, v. 28, n. 5, p. 997-1013, 2000.

COHEN, Taya R. et al. Moral character in the workplace. Journal of Personality and Social Psychology, v. 107, n. 5, p. 943, 2014.

COHEN, Taya R.; MORSE, Lily. Moral character: What it is and what it does. Research in organizational behavior, v. 34, p. 43-61, 2014.

DAY, Russell WC. Relations between moral reasoning, personality traits, and justice-decisions on hypothetical and real-life moral dilemmas. 1997. Tese de Doutorado. Theses (Dept. of Psychology)/Simon Fraser University.

DEYOUNG, Colin G.; QUILTY, Lena C.; PETERSON, Jordan B. Between facets and domains: 10 aspects of the Big Five. Journal of personality and social psychology, v. 93, n. 5, p. 880, 2007.

DE ANDRADE, Josemberg Moura. Evidências de validade do inventário dos cinco grandes fatores de personalidade para o Brasil. 2008. Tese de Doutorado. Ph. D. thesis, Universidade de Brasília.

JOHN, Oliver P. et alHandbook of personality: Theory and research. Guilford, 2010.

LONKY, Edward; KAUS, Cheryl R.; ROODIN, Paul A. Life experience and mode of coping: Relation to moral judgment in adulthood. Developmental Psychology, v. 20, n. 6, p. 1159, 1984.

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