A Virtude no Taoismo

O Taoismo é uma tradição filosófica e religiosa da China antiga, da qual sua obra mais conhecida é o Tao Te King, provavelmente escrito por Lao-Tzu entre 350-250 a.C. A lenda diz que um guarda de fronteira pediu a Lao-Tzu que compartilhasse sua sabedoria com ele, então Lao-Tzu escreveu seus ensinamentos que compõem o Tao Te King. Porém o manuscrito talvez seja uma coleção de provérbios de vários autores e Lao-Tzu (o “Antigo Mestre”) não era um personagem histórico real (LaFargue, 1995, p. 14).

Lao-Tzu usa a palavra Tao para se referir a uma realidade última que produz todas as coisas. Para entender isso, temos que considerar que a linguagem é usada para representar as coisas e para se comunicar com os outros, porém a linguagem pode bloquear o entendimento da realidade, de acordo com Cheng (2004, p. 145): “existe uma realidade pressuposta mais ampla, que sempre irá além da referência e uso de qualquer língua específica”. Quando Lao-Tzu usa a palavra Tao, ele está tentando se referir a uma realidade que está além do mundo usual dos fenômenos. Ele escreveu que o Tao do qual se pode falar não é o Tao constante (geralmente traduzido como “O Caminho”) que pressupõem qualquer tipo de linguagem, portanto a palavra Tao é usada como uma metáfora (Cheng, 2004, p. 146).

A natureza do Tao é da onde todas as ações vêm e são manifestações do espontâneo, natural e sem esforço (“the effortless”) (Cheng, 2004, p. 153). Portanto, uma ação virtuosa está em harmonia com o Tao e tem as suas características: o caráter natural, espontânea e sem esforço. Para Lao-Tzu, uma pessoa com a virtude superior é aquele que não tem a intenção de ser virtuoso, mas apenas entende e segue a natureza do Tao. Um conceito central no Taoismo é Wuwei (não-ação), que não é efetuar nenhuma ação, mas sim restaurar a natureza do Tao e o deixar operar. A virtude (Te) está enraizada na natureza do Tao. Lao-Tzu compara uma pessoa virtuosa como a água, que nutre várias coisas e ocupa lugares desprezados por outras pessoas, assim como a pessoa virtuosa para Lao-Tzu que se põem abaixo dos outros. Para chegar a esse estado mental em harmonia como o Tao, descrito por Lao-Tzu, deve-se diminuir seus desejos por coisas exteriores e diminuir o conhecimento irrelevante que preocupa a mente.

Para outro filósofo Taoista, Chuang Tzu, o agente que atua de forma virtuosa deve também fazer ela de uma forma tranquila, sem esforço, natural e alegre (Huang, 2010, p. 1050). Em suas histórias, ele descreve artesãos que aprenderam a serem habilidosos em seus trabalhos, seguindo o fluxo do Tao, como a histórias do fabricante de rodas que não podia fazer uma roda nem muito devagar nem muito rápido, apenas na velocidade certa; ou a história de um cozinheiro que destrinchava um boi com sua intuição, seguindo sua estrutura natural.

Porém, podemos interpretar das histórias de Chuang Tzu, que alguém poderia estar em harmonia com o Tao enquanto mata a outro, se ele está realizando esta ação de uma forma sem esforço e alegre? Para Huang, a resposta é não: “Na minha visão, essas estórias sobre pessoas habilidosas (knack stories) nos contam como fazer as coisas bem, se nós sabemos o que devemos fazer, mas elas não nos contam quais coisas deveríamos fazer”. Em outra história, Chuang Tzu narra sobre um pássaro que foi recebido por um Príncipe com vinho, música e carne de boi. Atordoado, o pássaro morreu. O Príncipe matou o pássaro porque ele estava “tratando o pássaro como ele gostaria de ser tratado e não como o pássaro gostaria de ser tratado” (Chuang Tzu, apud Huang, 2004, p. 1056). Em outra história, Chuang Tzu afirmou: “Se um ser humano dorme em lugar úmido, a pessoa vai ter dor nos seus lombos e alguma paralisia. Isso é verdade para enguias? Se um ser humano vive em uma árvore, a pessoa ficará assustada e tremerá. Isso é verdade para macacos? Qual dos três é o lugar certo para viver?”. Para Huang (2004, p. 1061), a ética contida nessas histórias é uma ética da diferença, sugerindo que se deve respeitar a disposição natural dos outros, não impondo valores e portanto medindo a adequação moral de uma ação pelo ponto de vista do agente passivo, não do agente ativo (Huang, 2010, p. 1067).

O Taoismo é uma filosofia muito rica e profunda, que pode dar ao Ocidente uma boa contribuição nos estudos sobre virtude dentre outros campos de estudo. A maneira poética, enigmática e, às vezes, paradoxal de se escrever sobre o Tao e sua Virtude o torna complexo e interessante. Ainda ressalta-se que é uma filosofia mutável, ou seja, nunca vai esgotar suas possíveis atualizações e interpretações.

Referências:

HUANG, Yong. Respecting different ways of life: A Daoist ethics of virtue in the Zhuangzi. The Journal of Asian Studies, v. 69, n. 4, p. 1049-1069, 2010.

CHENG, Chung‐ying. Dimensions of the Dao and Onto‐Ethics in Light of the DDJ. Journal of Chinese Philosophy, v. 31, n. 2, p. 143-182, 2004.

CHUANG-TZU; MERTON, Thomas. A via de Chuang Tzu. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

LAO-TZU; WILHELM, Richard. Tao-Te King: o livro do sentido e da vida . 9. ed. São Paulo: Pensamento, 2001.

LaFarge, Michael. Introdução. IN: TSAI, Chih Chung. Tao em quadrinhos. 3. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.

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