Dificilmente admitimos o erro e quando o fazemos, geralmente dói. O ato do reconhecimento das próprias falhas está intimamente ligado a um espelho que reflete uma imagem que raramente desejamos ver. É naturalmente compreensível que o ser humano, na grande maioria das vezes, irá se superestimar, mesmo quando isso aparece camuflado na forma de auto piedade – é sim, uma das várias maneiras de se eximir de certas responsabilidades e evitar ações que movem o indivíduo de sua zona de conforto e o impulsione à mudança.
Desta forma, a falha raramente está em nós. Um pequeno exemplo sobre isso, e que acontece corriqueiramente com quase todos: diante do atraso à um compromisso, a justificativa mágica e de tamanho universal toma a forma de “o trânsito estava terrível”, entre tantas outras infindáveis desculpas que serão dadas a fim do sujeito se eximir de maiores responsabilidades. Afinal de contas, se temos a quem ou o que culpar, porque reconhecer?
Quando se trata de reconhecimento, pode-se dizer que a configuração atual da sociedade nos exime de toda e qualquer responsabilidade (DALRYMPLE, 2014), abraçando certas ideologias políticas que posicionam o indivíduo numa categoria mínima de “ser” humano. Aqui, partimos do pressuposto aristotélico que dispõe o indivíduo como constituindo três características essenciais da vida sendo elas a vida vegetativa – nutrição, crescimento e reprodução – a vida sensível – basicamente contido nas emoções, “o automático do circuito estímulo-resposta” – e por fim, a vida intelectiva – unicamente pertencente ao homem (STORK; ECHEVARRÍA, 2005). Sob essa perspectiva, o homem é capaz de escolher intelectualmente os próprios fins com reações não baseadas meramente em sentimentalismo, podendo discernir racionalmente o melhor para si.
Um olhar mais apurado do contexto social e político no qual estamos inseridos, possibilita concluir que o homem tem sido tratado como se toda sua capacidade máxima residisse apenas no nível sensível, as políticas públicas, por exemplo, são fruto de uma concepção rasa do homem. A sociedade também abraçou esse modo diminutivo de se enxergar e perceber o outro. Nenhuma culpa cabe a si: os réus sempre são os outros ou as coisas. Infelizmente, pode-se notar que o caos moral persistente é fruto da terceirização da responsabilidade ética. Eximindo-se do dever, tudo é permitido, não existem mais parâmetros para o certo e o errado, agora é tudo uma questão de “ponto de vista”.
Numa sociedade onde os princípios éticos têm sido renunciados, é possível notar o enfraquecimento de preceitos de ordem valorativa e moral do indivíduo, tornando-o assim, uma simples ferramenta de ideologias que jamais terão por objetivo torna-lo transcendente e capaz de decidir racionalmente as circunstâncias da própria existência.
É o reconhecimento um dos mais importantes passos para a execução de ações éticas. Nele é necessário o doloroso e construtivo processo de olhar para dentro, sob uma perspectiva realista, deixando de lado proposições fantasiosas sobre si. É o reconhecimento que pode provocar a metamorfose das atitudes e é nesse processo que se desenvolve a força para se tornar um ser ativo, eticamente responsável e minimamente conformado com os ideais comuns.
Referências:
STORK, Ricardo Yepes; ECHEVARRÍA, Javier A. Fundamentos de antropologia: Um ideal de excelência humana. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2005.
DALRYMPLE, Theodore. A vida na sarjeta – O círculo vicioso da miséria moral. 1. Ed. – São Paulo: É Realizações Ed., 2014.