Tenho observado como algumas tecnologias modernas participam da nossa ambiência e tive algumas percepções sobre o que seria o bom uso dessas ferramentas. É simples observar que algumas ferramentas podem ser usadas bem ou mal; o exemplo elementar é a faca, um objeto que surge nos primórdios da humanidade, um artefato com grande abrangência de funcionalidades, talvez um dos objetos mais importantes já inventados. Enfim, em si, é evidente que não tem mal nenhum, ela fica ali, parada, produto da organização da matéria. Entretanto, a partir do momento em que interage com um homem, as coisas começam a ficar mais complexas.
O homem é o local no universo onde a inteligência está mais acumulada, mais organizada, e esta inteligência é a capacidade de capturar o real, dominá-lo e levá-lo para onde a vontade humana desejar. Então, até agora temos inteligência, vontade e a realidade. Nesse sentido, quando alguma tecnologia é inserida na ambiência humana, ela necessariamente precisará participar de alguma forma no sistema humano. Precisa-se que um homem a insira, a partir da inteligência e da vontade, num local apropriado, para que ela sirva melhor aos fins daquele ambiente. Essa atividade de organizar o mundo e pôr as coisas no seu devido lugar é tarefa própria do ser humano; ninguém mais pode fazê-lo. Porém, mesmo que seja próprio do ser humano, não significa que ele seja naturalmente bom em fazê-lo, porque até mesmo o que é próprio do homem precisa ser aperfeiçoado e organizado pelo próprio homem. É natural saber respirar, comer e beber, mas não significa que sejamos também naturalmente excelentes em executar essas atividades, por incrível que pareça. Então, tendo que haver um alguém para organizar o cenário e colocar as coisas no seu devido lugar, é preciso que este alguém saiba distribuir todas as coisas de forma mais excelente, de forma que tudo participe ordenadamente para o fim daquele local e circunstância, seja lá o que isso signifique na tal circunstância…
Logo, para saber como fazer tudo isso, é preciso saber ver, saber perceber inteligentemente; é preciso saber (1) que local é este, para que ele serve; é preciso saber (2) o que os homens esperam dele, o que eles vêm fazer ali; é preciso saber (3) como organizar e articular esses agentes e essa ambiência de forma que a ambiência esteja excelentemente em função do ser humano, de forma consciente para alguns ou até inconsciente para outros. O que importa é que alguém inicialmente organizou humanamente o cenário para os outros homens interagirem.
Um exemplo disso seria a igreja, local em que é claro para que serve e o que os homens vão fazer ali. Os três saberes citados anteriormente são mais claros de identificar na igreja do que em uma sala de estar, – por exemplo, porque, pelas residências serem pequenas, acaba sendo um local de muitas atividades, algumas até contraditórias entre si… – e são: local próprio do encontro entre Céu e Terra; os homens vão ali para olhar “para cima” para os primeiros princípios, sobre os quais esperam erguer a sua morada e não cair nos erros que espreitam todos nós a todo momento; e, por fim, é claro, este local precisa ser belo, bom e verdadeiro, precisa ser receptáculo de tudo isso. Então, é necessário que as coisas estejam organizadas sem mentira e ruído, sem propaganda, sem objetos que sejam contraditórios com o fim de elevar os homens. Imagine se colocassem belas estátuas nuas na igreja, não harmonizaria bem, né? Porque tiraria a atenção dos homens do que realmente importa e é digno de atenção naquele momento. É assim que o ser humano funciona; não somos robôs que podem apenas ignorar os sentimentos de baixo ventre – eles não têm. Para o ser humano isso custa muito, dá trabalho ter império sobre as próprias paixões, então é conveniente que o local leve isso em conta e facilite o esquecimento do baixo ventre em função dos sentimentos mais nobres, utilizando todo tipo de arte que possa ajudar nesse fim. Usando apenas arte? Não, tecnologia também – arte e tecnologia são coisas muito próximas -, a tecnologia precisa igualmente estar ordenada.
Dito tudo isso, podemos refletir um pouco sobre como introduzir novas tecnologias no local sagrado: digamos que alguém teve a ideia de, em um mosteiro que usa muitas velas feitas de cera de abelha, substituí-las por velas elétricas, para reduzir os gastos em 70%, gastos com manutenção, trabalho, etc. Esta substituição, a princípio, parece ser inofensiva e economicamente correta, porém podemos argumentar que as velas feitas de cera de abelha merecem mais estar naquele ambiente sagrado do que velas elétricas, porque naquele mosteiro em específico tem um devoto que o único trabalho que ele pode oferecer para Deus é o trabalho de acender todas as velas antes das missas e utilizar toda a sua inteligência e vontade em função de que as velas estejam nas condições de receberem as cerimônias. Também pode-se dizer que as velas são aromáticas, e o aroma típico de vela de abelha, somado à natural luz oscilante que revela a beleza daquele cenário, são oportunidades de elevação para o devoto, de contemplação, de maravilhamento. Talvez tudo isso, embora mais trabalhoso, tenha um gosto melhor para Deus, e Ele prefira habitar ali.
Em suma, ao pensar em introduzir novas tecnologias, especialmente em ambientes sagrados, é essencial fazer isso com cuidado e reflexão. A tecnologia pode, sim, trazer muitos benefícios, mas é preciso garantir que ela realmente sirva aos propósitos humanos e não apenas à eficiência. A inteligência e a vontade humanas devem estar no comando, guiando como essas ferramentas são usadas, para que elas não só melhorem a funcionalidade, mas também contribuam para o bem-estar e elevação moral das pessoas. No fim das contas, o grande desafio é usar a tecnologia de uma forma que respeite e enriqueça a experiência humana, sem perder de vista o que realmente importa.