Renana Biana da Silva
Smith, de modo geral, reconheceu a importância moral de ambas as visões (virtude estoica e utilidade humeana), contudo, não deixou de pontuar as fragilidades demonstradas por cada uma, buscando fomentar a utilização de um novo princípio, que pudesse conciliar a virtude clássica, com a necessidade de se considerar o “amor-próprio”.
A teoria da virtude, associada aos estoicos e a pensadores clássicos como Platão, define a virtude como a busca pela excelência, algo que se eleva “acima do vulgar”. Essa busca exige, por certo, autodomínio (subordinação de medos e desejos) e força interior (fortitude), sendo frequentemente associada à guerra e à “magnanimidade” que ela demandava.
Embora Smith elogiasse esse ideal, deslocado da totalidade da teoria, ele não deixou de perceber sua limitação quando aplicado a um sistema político, uma vez que o sistema político baseado na virtude seria incompatível com as ideias liberais e indiferente ao crescimento econômico. Filósofos antigos, como Platão, opunham-se ao progresso comercial por temerem que os valores do comércio enfraquecessem o “espírito militar dos cidadãos”. Alega Smith que, para inculcar universalmente uma alta virtude, o sistema teria que ser autoritário e violento, mediante a necessidade de imposição da conformidade.
Smith via a busca pela virtude como um caminho que possuía como fim último a perfeição, em que pese reconhecesse que essa busca não era, ou era raramente percorrida até o fim. Para ele, a virtude deveria ser um ideal a ser alcançado individualmente, e não um princípio norteador de um sistema político (coletivo).
Em contraste, David Hume formulou a teoria da utilidade como a “assinatura filosófica do mundo moderno”. Para Hume, a virtude é um cálculo que busca a “maior felicidade”. Sua filosofia era humanista, e se propunha a reorientar a sociedade para a vida cosmopolita e comercial, sem deixar de privilegiar o progresso, as artes e a ciência, em oposição à virtude moral estoica.
Importa dizer que Smith simpatizava com a abordagem de Hume no que tange ao crescimento econômico, todavia não apreciava o que considerava como o “niilismo espiritual”, implícito na teoria da utilidade, o que a tornava [teoria da utilidade] uma filosofia incompleta e ao mesmo tempo insuficiente para explicar o comportamento humano, ou seja, vazia quando tratada como uma questão de substância, pois não conseguia explicar por que as pessoas agem como agem.
Acrescenta Smith que a teoria da utilidade não consegue explicar o amor, os laços sociais, ou porque as pessoas não são inteiramente egoístas. Smith argumentava que Hume negligenciava a existência de um “homem interior” ou a “consciência” que atua como juiz de nossa conduta.
No intento de buscar o caminho do meio entre a teoria estoica das virtudes (autodomínio) e a teoria da utilidade (cálculo), Smith propõe a “filosofia do meio-termo”, entre a consciência e a simpatia.
A simpatia, interpretada por Smith como princípio natural que desperta nosso interesse pelos destinos dos demais indivíduos, como a fonte original da moderação e da “correspondente afeição do espectador”; a consciência como impulso capaz de direcionar os indivíduos para o que é “honroso e nobre”, bem como para a busca de uma “superioridade de caráter”.
Assim sendo, a moralidade (Teoria dos sentimentos morais), para Smith, não é guiada puramente pelo amor-próprio ou pela benevolência, separadamente, no entanto, pelo auxílio do “grande juiz e árbitro de nossa conduta” que reside em nosso peito.
REFERÊNCIA
FITZGIBBONS, Atholl N. Adam Smith’s system of liberty, wealth, and virtue. Oxford: Clarendon Press, 1995. (cap. 4)