Essa série de escritos continua a apresentar, de forma sucinta, a biografia de Eric Voegelin a partir da obra “Reflexões Autobiográficas”, publicada em 2008, no qual oferece um contexto histórico e biográfico de suas motivações a partir do desenvolvimento e articulação de suas ideias em diversas áreas do conhecimento.
Eric Voegelin resgata o conceito de “anamnesis“, que pode ser traduzido para “reminiscência” ou “rememoração”. Ele o traz de Platão e faz uma síntese inusitada com William James, autor de “Does Consciouness Exist?” (1904) ao mostrar que o horizonte da consciência humana, em uma situação concreta, somente se abrirá para o divino se ele recuperar o verdadeiro sentido de seu passado (Pág. 113).
O autor também amplia os conceitos de ordem e alienação. Quanto ao primeiro, sustenta que é a estrutura da realidade experienciada pelo homem, bem como a sintonia entre o homem e uma ordem não fabricada por ele, isto é, a ordem cósmica.
Quanto ao segundo, escreve (Pág. 118):
“Sistemas como o de Hegel, por exemplo, são sistematizações de um estado de alienação; é inevitável que culmine na morte de Deus, não porque Deus tenha morrido, mas porque houve uma rejeição da razão divina na revolta egofânica”.
A revolta egofânica consiste em uma atitude que faz da epifania do ego a experiência fundamental, eclipsando a epifania de Deus na estrutura da consciência cristã.
Voegelin também publicou uma grande obra chamada Ordem e História. Quanto ao seu desenvolvimento, o autor sustenta que partiu de três hipóteses: a) a de que existem ideias; b) a de que as ideias têm uma história; c) a de que uma história das ideias políticas precisaria reconstituir o trajeto que se inicia com a política clássica e vem até o momento atual. As ideias, consoante Voegelin, têm uma importância enorme, pois “são responsáveis por deformar tanto a verdade das experiências quanto sua simbolização”. (Pag. 121).
O trabalho como professor foi talvez o mais longo de Eric Voegelin. Deu aulas por 50 anos para diversos alunos com visões de mundo diferentes. Além disso, criou um Instituto de Ciências Políticas, em Munique, que foi um enorme sucesso.
Quanto às motivações de sua obra, Voegelin escreve que elas têm origens políticas, e que qualquer pessoa bem informada e inteligente como ele, e que tenha vivido a história do século XX desde o fim da Primeira Guerra Mundial, acaba se vendo cercada, e até asfixiada, pelo domínio de uma linguagem ideológica (Pág. 140).
Quanto a isso, Voegelin propõe uma grande e trabalhosa solução:
“A melhor forma de retomar o contato com a realidade é recorrer a pensadores do passado que ainda não a tenham perdido ou estavam empenhados em recuperá-la” (Pág. 140).
“Recuperar a realidade, resgatando-a da deformação a que foi submetida, exige bastante trabalho. É preciso reconstruir as categorias fundamentais da existência, da experiência, da consciência e da realidade” (Pág. 143).
Aristóteles foi o primeiro filósofo que percebeu um dos problemas fundamentais da filosofia, segundo Eric Voegelin: a constância da realidade experienciada. Segundo Voegelin (pág. 160): “Em seus últimos anos de vida, Aristóteles foi ficando cada vez mais fascinado pelo mito como fonte de sabedoria, pois essa forma de expressão pode por vezes ser mais abrangente que as estruturas da realidade. (…) A consequência mais importante desse insight é a compreensão de certos processos na história”.
Eric Hermann Wilhelm Voegelin foi um grande e multidisciplinar intelectual. “Grande” pela importância, profundidade e alcance de suas ideias e escritos. “Multidisciplinar” pois estudava incansavelmente diversas áreas do conhecimento, como política, história, natureza da consciência e presença divina.
REFERÊNCIAS
VOEGELIN, Eric. Reflexões Autobiográficas. São Paulo: É Realizações, 2008. (Introdução, caps. 1 a 7; 14; 17 a 25).