Virtuosidade e sua natureza ambiental

Como os ambientes, organizacionais e naturais, podem facilitar o desenvolvimento de virtudes?

Dentre os clássicos, Platão (427-347 a.C.) estabelece que a vida ética é gradativamente mais elevada pela adequação desta vida às ideias superiores (eide), análogas à forma do Bem. Partindo de Platão, Aristóteles (384-322 a.C.) nos traduz que o fim do homem é a felicidade temporal da vida em conformidade com a razão, e que a virtude é o caminho dessa felicidade. Na filosofia ética das virtudes o foco está no agente, porque é exclusivamente dele a faculdade de compreender o que é moralmente adequado ou relevante em uma dada situação. Contudo, o contexto ambiental o qual a virtude se desenvolve desempenha um papel fundamental.

Nesse sentido, os estudos em administração mais recentes têm discutido a virtuosidade – que corresponde as virtudes morais no ambiente das organizações. Enquanto a virtude moral diz respeito ao indivíduo, a virtuosidade envolve o conceito em nível coletivo, referem-se a contextos organizacionais nos quais virtudes são praticadas, apoiadas, alimentadas, disseminadas e mantidas. Quanto mais uma organização estimula ou facilita a virtude de seus membros, mais virtuosa ela é. A virtuosidade compartilha de elementos em comum com a responsabilidade social corporativa, cidadania organizacional, ética no negócios e justiça.

Mauel Kaptein, professor de Ética nos Negócios da Escola de Gestão da Universidade holandesa de Roterdã, conduziu uma análise qualitativa de 150 casos que incluíam uma variedade de tipos de comportamento antiético de membros de organizações variadas, influenciados, ao menos em parte,  pela cultura organizacional. Como resultado de análise e categorização foram encontrados sete fatores relacionados virtudes organizacionais que contribuem de forma direta para conduta ética de seus membros, tais como:  Viabilidade, que se refere às condições de trabalho dadas pela organização que facilitam ou dificultam a excelência moral no cumprimento das normas éticas; e Sancionabilidade que diz respeito a punições diretas proferidas pela organização em resposta ao comportamento antiético de seus membros.

No texto “Diante da natureza – admiração e humildade” analisei o ambiente natural como fonte de oportunidades de desenvolvimento físico, intelectual, moral e espiritual. Seja com a prática de esportes, leituras, ou pela observação de sua complexidade, da beleza única contida nos seres vivos em interação na busca pelo florescimento de suas potencialidades, estar no ambiente natural tende a exercitar virtudes. Assim como o ambiente organizacional, o ambiente natural parece conter uma virtuosidade própria.  São condições dadas pelo contexto que estimulam ou facilitam o desenvolvimento da virtude nas pessoas.

Imagine o exercício da virtude coragem na experiência de navegar em mar aberto, a perder de vista a costa. A virtude da coragem exige equilíbrio – um meio-termo que se afasta por um lado da covardia, por outro da temeridade, é a justa medida entre os extremos. Aquele que teme em demasia não irá viver a rica experiência de se afastar da costa, de observar a terra firme de um ângulo inusitado, de enriquecer seu repertório de visões e experiências. Em contrapartida o autoconfiante desmedido pode se expor ao risco num dia inapropriado ou mesmo se afastar demais da costa, só mantendo sua vida por um golpe de sorte ou misericórdia da natureza. A virtude da coragem deve agir com duplo efeito no combate ao medo e a soberba, encontrando o equilíbrio.

Nesse exemplo a virtuosidade do ambiente natural proporcionou tanto a viabilidade, fornecendo as condições para o exercício de navegação, quanto a sancionabilidade, a qual punições diretas do ambiente poderiam ocorrer em resposta ao comportamento inadequado de navegação em águas abertas. Percebe-se que a prática de atividades em ambiente natural proporciona fatores que facilitam o desenvolvimento de virtudes, a virtuosidade do ambiente natural. Esse e outros temas relacionando virtudes e meio ambiente tem sido estudado na minha tese de doutoramento no Admethics.

Referências:

AMES, Maria Clara Figueiredo Dalla Costa; SERAFIM-SERAFIM, Maurício Custódio; MARTINS-MARTINS, Felipe Flôres. Análise das Escalas e Medidas de Virtudes Morais Associadas à Área de Administração e Ética Empresarial: uma Revisão Sistemática.

KAPTEIN, M. Developing and testing a measure for the ethical culture of organizations: The corporate ethical virtues model. Journal of Organizational Behavior, v. 29, n. 7, p. 923–947, out. 2008.

REALE, G. Introdução a Aristóteles. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

ZINGANO, Marco. As virtudes morais. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.

Back To Top