Ética das Virtudes como perspectiva para o bem comum e a felicidade pública

Neste artigo, procura-se discutir a possibilidade de a ética das virtudes ser uma alternativa mais compreensiva e aprofundada para tratar de questões morais, inclusive para considerar seus reflexos no alcance do bem comum e para a felicidade pública.

Estudos em business ethics têm demonstrado um crescente interesse pela ética das virtudes como abordagem apropriada para compreender a conduta ética nos ambientes de negócios e organizacionais (Alzola, 2015). Quando as questões abordadas são de escopo corporativo ou em nível macro, como a sociedade, alguns estudos optam por articular outras perspectivas, como a abordagem de compliance (Calderón, Piñero & Redín, 2018), ou outras de fundamentos mais legalistas, deontológicos ou consequencialistas.

Parte dessa tendência pode ser fruto de dois elementos que poderiam ser investigados, para os quais podemos encontrar alguns estudos no campo de business ethics: (1) a relação da ética das virtudes com o bem comum e a felicidade, e (2) a centralidade do mercado e o senso-comum que as pessoas são motivadas apenas pelo auto interesse.

O primeiro é a relação da perspectiva da ética das virtudes com o bem comum e a felicidade (Eudaimonia ou florescimento humano), ambos elementos integrantes na tradição aristotélica-tomista da ética das virtudes. Estudos modernos sobre a felicidade tendem a negligenciar a abordagem da ética das virtudes ou considerar uma versão reduzida de seus fundamentos (Alzola, 2015). Especialmente, poucos pesquisadores do tema da felicidade consideram o papel das virtudes para alcançar a felicidade (Sison, 2016). Apesar da crença altamente disseminada, a felicidade não é alcançada por um indivíduo isolado. Parte dela depende da qualidade das instituições que intermediam a relação entre indivíduos e o ambiente. Diferenças nas instituições, em termos de regras e costumes, contam na variação de felicidade. Diferentes regimes, possibilidade de participação voluntária, são outros aspectos discutidos por Sison (2016).

O segundo, pela centralidade que se deu ao mercado como enclave para o entendimento das interações e vivências humanas em outras esferas da vida, como problematizado por Ramos (1989) quando apresenta a Teoria da Delimitação dos Sistema Sociais. Um aspecto percebido tanto por teóricos em Administração como por autores mais próximos da área de Administração Pública, é a noção predominante de homo economicus que se atribuiu ao ser humano enquanto participante nas práticas de mercado e organizacionais. Além disso, a centralidade do mercado na realidade vivida prevalece em muitas culturas, como no contexto brasileiro (Ramos, 1989). Uma possibilidade que poderia melhorar a contribuição para o estudo em business ethics pode ser a perspectiva da Economia Civil ou ainda a teoria da dádiva de Marcel Mauss (2003) e Caillé (2002), para falarmos de princípios como reciprocidade, relacionalidade e a subsidiariedade, a fim de ser possível considerar a felicidade pública. (relacionando os conceitos de bem comum e felicidade pública).

É importante explicitar o potencial que a ética das virtudes pode oferecer para se entender não somente a ética de primeira pessoa, mas como perspectiva para refletirmos sobre as relações entre stakeholders, as redes de governança e a coprodução de bens públicos. A perspectiva macintyreana pode nos oferecer um arcabouço teórico-analítico que permite considerar os inúmeros papeis que cada agente ocupa no tecido social e como suas práticas podem contribuir para a melhoria de aspectos mais amplos, como instituições e o alcance do bem comum.

Tal possibilidade surgiu após a leitura do prefácio escrito por Stefano Zamagni para o livro Happiness and Virtue Ethics in Business, de Alejo Sison (2016). Em uma disciplina de Sociologia Econômica, ministrada pelo professor Maurício Serafim no programa de Mestrado em Administração da Udesc – Esag, tivemos a oportunidade de estudar em profundidade a escola italiana de Economia Civil (Bruno & Zamagni, 2010), bem como a teoria da dádiva. Esses pontos exemplificados pelas abordagens sociológicas de Ramos (1989), Mauss (2002) e Caillé (2003), da dádiva e da economia civil, podem indicar pontos de interligação entre a perspectiva da ética das virtudes e abordagens sociológicas, as quais possibilitariam um estudo sobre seus reflexos para o bem comum e para a felicidade pública.

Referências:

Alzola, M. (2015). Virtuous Persons and Virtuous Actions in Business Ethics and Organizational Research. Business Ethics Quarterly, 25(3), pp. 287-318.

Bruno, L & Zamagni, S. (2010). Economia civil: eficiência, equidade, felicidade pública. Trad. Cordas, D. Vargem Grande Paulista: Cidade Nova.

Caillé, A. (2002). Antropologia do dom: o terceiro paradigma. Trad. Alves, E. F. Petrópolis (RJ): Vozes.

Calderón, R., Piñero, R. & Redín, D. (2018). Can compliance restart integrity? Toward a harmonized approach. The example of the audit committee. Business Ethics: A European Review, 27(2), pp. 195-206.

Mauss, M. (2003). Sociologia e Antropologia. Trad. Neves, P. São Paulo: Cosac Naify.

Ramos, A. G. (1989). A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Trans. Mary Cardoso. 2nd ed. RJ: Editora da Fundação Getúlio Vargas. R

Sison, A. J. G. (2016). Happiness and Virtue Ethics in Business: The ultimate Value Proposition. Cambridge: Cambridge University Press.

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