A pandemia do novo coronavírus não pode ser vista como um dilema moral do tipo ‘dilema do bonde’ para a gestão pública

Uma das abordagens que defende que a pandemia do novo coronavírus não pode ser um dilema moral para a gestão pública é bem ilustrada nessa imagem, uma adaptação1 do famoso ‘trolley problem’ ou ‘dilema do bonde’2. Reparem na volta do trilho. Aqui não se apresenta a questão vidas x economia, mas vidas x vidas:


(1) Dilema moral: “vivência de uma tensão entre os possíveis caminhos de ação moral na busca pela melhor decisão em determinada circunstância, sendo a circunstância vista pela perspectiva daquele que interage com o dilema moral”. Entre suas características, estão: “(a) ser uma situação complexa, (b) criada pelo conflito de múltiplas obrigações e/ou interesses – considerados certos – que poderiam ser exercidos isoladamente, (c) porém, em dado contexto, somente um curso de ação pode ser escolhido, (d) e a opção adotada pode acarretar resquícios aos envolvidos e/ou reflexos na organização” (SANTOS, 2019, p. 52)3.
(2) A vida é um princípio fundamental. A economia, em sua origem, é a arte de bem administrar a casa, o lar, onde se vive. Para se viver, deve haver vida. Logo, vida x vida não corresponde a uma equação lógica.
(3) Colocar vida x vida é desprezar o valor da vida, seja na circunstância que for. Logo, é papel das instituições governamentais não deixar que seus cidadãos, individualmente, se encontrem nesse dilema. O governo sabia que o bonde estava vindo, não é? O sacrifício humano pode ser visto como uma falácia moral ou uma baixa competência moral para lidar com uma crise.
(4) Essa análise não ignora o triste fato de que perderemos inúmeras pessoas. No entanto, parte do raciocínio moral de que a pandemia é um teste moral para os governantes. Qual raciocínio moral seguir?

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2 O dilema do bonde foi apresentado pela filósofa britânica Philippa Foot em 1967: o motorista de um bonde desgovernado precisa decidir
o rumo de seu bonde entre atingir um grupo de cinco pessoas que estão trabalhando na linha férrea e, por alguma razão, não percebem o
perigo e não conseguem deixar o trilho ou dirigir o bonde para um caminho paralelo, no qual há somente uma pessoa trabalhando. Em 1985, a filósofa americana Judith Thomson retornou ao exemplo de Foot e o desenvolveu um pouco mais. Em sua reelaboração, há uma pessoa do lado de fora do bonde com uma alavanca que pode escolher entre: não fazer nada e permitir que o bonde continue nos trilhos e atinja cinco pessoas ou puxar a alavanca e desviar o trem de maneira que ele atinja apenas uma pessoa no trilho ao lado (SANTOS, 2019).
3 SANTOS, L. S. A ética da gestão pública à luz da abordagem da racionalidade: os dilemas morais vivenciados na gestão de riscos e
desastres em Santa Catarina. 2019. Tese (Doutorado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Administração e
Socioeconômicas, Doutorado em Administração, Florianópolis, 2019. Disponível em: https://pergamumweb.udesc.br/biblioteca/index.php

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