A dignidade da pessoa humana sob a perspectiva da imagem e semelhança de Deus

A dignidade da pessoa humana é fundamento da nossa República (art. 1º, III, Constituição Federal). O termo, entretanto, tem sido utilizado indiscriminadamente e sem delimitação adequada. Corre-se o risco, desta forma, de banalizar o conceito e de relativizar o seu significado.

A dignidade da pessoa humana pode ser entendida de forma simples e abstrata, sem conteúdo predeterminado (tal como descrito na constituição — “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) III – a dignidade da pessoa humana; (…)” —, e assim seu significado pode ser modificado e moldado sem qualquer restrição. Ficaria sujeita à variação segundo a vontade de quem determina seu uso (exerce o poder).

Pode, também, ser entendido o termo sob perspectiva filosófica, e então teríamos maior possibilidade de reflexão sobre a origem do princípio, sua posição histórica e evolução de acordo com diversas correntes de pensamento e com necessária reflexão sobre a origem e a finalidade do homem.

Entretanto, haveria ainda certo grau de indefinição e dificuldade com a correta descrição e compreensão do termo. Há diversas explicações filosóficas para a origem e fim último do homem, e nem todas são compatíveis entre si.

Por fim, pode-se buscar fonte teológica para a compreensão da dignidade da pessoa humana. A nossa Constituição permite que se utilize a referida fonte interpretativa. Ao mencionar Deus em seu preâmbulo (parte introdutória da Constituição), e ao fazê-lo com inicial maiúscula, a Constituição deixa claro que, apesar de laico e plural, nosso ordenamento é informado por valores cristãos, ou seja, foi construído a partir deles.

Assim é que a dignidade da pessoa humana pode ser entendida como o valor inerente ao indivíduo criado à imagem e semelhança de Deus (Livro de Gênesis, cap. 1, v. 27). Mas em que medida Deus (o mesmo Deus citado no preâmbulo da Constituição de 1988) teria transferido ao homem a dignidade que lhe é intrínseca?

Uma das respostas possíveis está na primeira revelação que Deus fez de si aos homens: “Eu Sou Aquele que Sou” (Livro de Êxodo, cap. 3, v. 14). Ser aquele que É implica que ninguém mais pode ser Deus; ele é único e insubstituível — irrepetível.

Assim, cada um dos homens, na medida em que é imagem e semelhança de Deus, também é aquilo que é: único, insubstituível e irrepetível. Ninguém nunca foi, não é e nunca será como eu, e esse raciocínio se aplica a cada um dos leitores deste texto.

Igualmente como uma entre cem ovelhas é insubstituível a ponto de valer tanto quanto as demais em seu conjunto (Lucas, cap. 15, v. 7), a individualidade do homem não pode ser mensurada por números, por agrupamentos coletivos, mas é intrínseca à sua própria existência, vale por si. Afinal, “Deus nos ama a cada um de nós com um amor infinito, um amor que não poderia ser mais direto e pessoal se fôssemos a única alma sobre a Terra” (TRESE, 2021, p. 126).

Toda ação voltada a objetificar o homem, portanto, fere sua dignidade. A coletivização do ser (tornando-o instrumento de estrutura de poder — qualquer que seja ela), com a desconsideração de sua individualidade, é a raiz da violação à dignidade humana. Ferir o valor fundamental da dignidade humana é ferir o homem em sua individualidade, naquilo que somente ele é ou pode ser. Torna-se mais clara, deste modo, a compreensão do princípio fundamental da nossa República.

REFERÊNCIAS

1 — BÍBLIA SAGRADA. Tradução Oficial da CNBB. 3ª Edição. 2019;

2 — BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988;

3 — TRESE, Leo J. A fé explicada. 15ª Edição — São Paulo: Quadrante, 2021.

Back To Top