Adam Smith e as Virtudes
É um fato bem conhecido que Adam Smith, amiúde chamado o “Pai da Economia”, era professor de Filosofia Moral e Jurisprudência na Escócia, e seu livro “A Teoria dos Sentimentos Morais” (já abordado em artigo anterior neste blog) tornou-o um nome conhecido no pensamento moral da segunda metade do século XVIII. Nesse livro, Smith defendia a ideia de que as pessoas formam juízos morais a partir de um sentimento que ele chamou “simpatia”, que pode ser explicado simplesmente como a capacidade que elas têm de se colocar no lugar dos demais, e agir de modo a considerar como os outros se sentiriam se fossem atingidos por suas ações.
Sendo a teoria de Smith basicamente emotivista, pode parecer estranho associá-la à virtude, haja vista que esta deve ser sempre considerada à luz da razão. O comportamento virtuoso, desde Aristóteles, é associado à capacidade de analisar racionalmente a situação e decidir o que fazer tendo em mente as diferentes virtudes. Smith, ao falar de um comportamento racional, relaciona-o ao interesse próprio; a ação econômica racional é aquela que leva o agente a fazer algo de acordo com seu interesse, e seu resultado é sempre definido como um benefício para o agente.
Fitzgibbons (1995) analisa o papel das virtudes no pensamento econômico de Smith, e conclui que, para o escocês, o utilitarismo presente nos escritos morais de David Hume e a busca por uma vida virtuosa idealizada pelos estoicos são filosofias éticas contrapostas, cada uma com um problema: para Smith, falta conteúdo moral em Hume (cujo sistema prescindia de uma autoridade divina, algo impensável para o Pai da Economia), e o sistema estoico foi pensado para um mundo que já não existia. Entretanto, a busca por uma vida virtuosa defendida pelo estoicismo representa a aspiração mais elevada do ser humano e um bem para a sociedade como um todo; Smith nega que a virtude possa ser o fundamento da política porque admite que apenas uma elite da sociedade poderia ser efetivamente virtuosa pois, em suas palavras, “virtue is excellence, something uncommonly great and beautiful, which rises above what is vulgar and ordinary” (SMITH apud FITZGIBBONS, 1995, p. 46) – portanto, diferentemente de Platão, por exemplo, Smith não acredita que um sistema político pudesse ser baseado numa elite virtuosa sem que se corresse o risco de degenerar numa tirania.
Smith considera que a sociedade moderna se caracteriza pelo amor próprio (self love), o que acabaria conflitando com a virtude, que ele considera uma ação dirigida para o bem dos outros, e ao gerar esse bem, produzi-lo para o indivíduo. Daí a necessidade de um princípio moral que informe a virtude, um princípio superior de imparcialidade moral que leve a pessoa a agir bem independentemente de quem fosse objeto ou fosse atingido por tal ação – e, como se viu, esse princípio é o da simpatia.
Fitzgibbons (1995) busca amarrar os elementos do pensamento de Smith juntando a “Teoria dos Sentimentos Morais” e a “Riqueza das Nações”, afirmando que a sociedade poderia se tornar um terreno fértil para o cultivo da virtude individual se fosse baseada na liberdade; ao permitir que cada pessoa seguisse seus próprios planos conforme seu interesse, a sociedade poderia gerar os melhores frutos econômicos. Um bom “clima moral” seria preciso para que a economia e a sociedade prosperassem, e esse clima moral demandaria ações virtuosas baseadas na justiça, no auto comando, na benevolência e no uso da sabedoria ou prudência.
Em conclusão, Smith aponta para aquilo que os economistas a partir da segunda metade do século XIX, seja porque seduzidos pelo canto de sereia do marxismo (que impede a coesão social por estabelecer duas morais economicamente determinadas e opostas), seja porque iludidos pela formalização matemática do equilíbrio geral (que determina que tudo que não possa ser quantificado seja “dado”, e por isso excluído do estudo): por mais difícil que seja a relação, a economia não existe sem moral que a ordene.
REFERÊNCIA
FITZGIBBONS, Athol. Adam Smith’s system of liberty, wealth, and virtue. Oxford: Clarendon Press, 1995.