Na década de 80, o autor norte-americano Kenneth Lux publicou um livro de título tão instigante quanto errado: “O Erro de Adam Smith: Como um Filósofo Moral Inventou a Economia e Pôs Fim à Moralidade” (Adam Smith’s Mistake: How A Moral Philosopher Invented Economics and Ended Morality). O erro de Kenneth Lux era duplo, pois nem Adam Smith inventou a Economia como ciência autônoma em relação à Filosofia, nem ele pôs fim à moralidade: o que ele sugeriu é que agir conforme o interesse pessoal poderia ser uma forma de produzir o bem para a sociedade. Há que se admitir, entretanto, que usar Smith foi um tiro no alvo, pois durante décadas se discutiu como poderia ter sido a mesma pessoa a escrever “Teoria dos Sentimentos Morais” e “Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”; bastava ter lido com atenção o primeiro livro para se perceber que não havia paradoxo em relação ao segundo.
Smith pode não ter inventado a ciência econômica, mas foi o grande responsável pela sua popularização no século XVIII. E a mensagem de seu livro girava em torno de um problema simultaneamente econômico, social, político e moral: como pode uma nação gerar riqueza? Ao longo de quase 250 anos (sem desprezar o fato de que o mesmo problema preocupou a maioria dos autores anteriores a Adam Smith), múltiplas respostas foram dadas a essa pergunta, enfatizando diferentes elementos como responsáveis pela geração de riquezas, respostas estas que conquistaram adeptos ao mesmo tempo que produziram críticos. Produzir um sumário dessas contribuições é quase impossível, por isso deseja-se enfatizar dois aspectos neste pequeno texto.
Em primeiro lugar, entende-se por riqueza a mesma concepção adotada na Escola Austríaca de Economia, qual seja, o conjunto das coisas que são úteis às pessoas no sentido de satisfazerem suas necessidades. Ou seja, riquezas não são algo objetivo, e sim uma característica que as pessoas conferem às coisas. O segundo aspecto que se deve esclarecer é que desenvolvimento é um fenômeno qualitativo e quantitativo, enquanto o crescimento das riquezas é puramente quantitativo. O desenvolvimento envolve crescimento das riquezas, mas sobretudo se caracteriza por uma diferença qualitativa: as necessidades básicas da vida foram supridas para a maioria das pessoas na sociedade, e bens e serviços que contribuem para ampliar o bem-estar estão sendo disponibilizados para parcelas maiores da população. Ademais, as pessoas percebem melhorias em seu bem-estar, ou seja, vivem melhor, percebem qualidade de vida superior.
Se o desenvolvimento é um fenômeno qualitativo em vez de puramente quantitativo, valores humanos precisam ser incorporados na sua análise e definição, e isso significa que a intersecção entre a economia e a ética se materializa, entre outros domínios da ciência econômica, nos estudos do desenvolvimento. E essa conexão tem sido apontada por um número significativo de cientistas sociais, não somente economistas. Sem pretensão de esgotar essa discussão, deseja-se apontar alguns autores que desenvolveram análises interessantes que refletem essa relação, mesmo quando ela não é apontada diretamente.
Por exemplo, pode-se citar o economista caribenho W. Arthur Lewis (1915-90), laureado com o Nobel em 1979, para quem as nações pobres se caracterizam por economias baseadas na agricultura e por uma oferta quase infinita de trabalhadores pouco preparados. Assim, para Lewis, o desenvolvimento econômico deve começar com indústrias mais simples, que beneficiem produtos agrícolas e empreguem grande número de trabalhadores, enquanto se faz amplo investimento em educação e capacitação da população, o que, em sua visão, elevaria a renda per capita e prepararia as pessoas para empreendimentos mais intensivos em capital e tecnologia. A preocupação ética de Lewis era clara: não há desenvolvimento econômico se uma parcela significativa da população não se beneficiar dele.
Num ponto de vista completamente diferente, o austríaco Friedrich Hayek (1899-1992), que recebeu o Nobel em 1974, advogava que o desenvolvimento econômico demandava o mínimo possível de Estado e o máximo de liberdade individual de empreender. Sua preocupação ética residia em defender o interesse pessoal como um promotor de bem-estar social, entendendo que este último conceito seria a agregação dos bens individuais, e em procurar demonstrar que os valores morais de uma sociedade de mercado são a base para uma ética que promove o desenvolvimento econômico, valores esses totalmente incompatíveis com os que vigoram em uma sociedade planejada centralmente. E sem uma ética, uma sociedade não se desenvolve.
Por fim, destaca-se o indiano Amartya Sen (1933), outro economista premiado com o Nobel (1998), para quem problemas econômicos como a pobreza só fazem sentidos se estudados por meio de uma análise que incorpore a ética. Para Sen, o desenvolvimento envolve obrigatoriamente o florescimento humano, na medida em que incorpore as capacidades das pessoas. É preciso ampliar a educação das pessoas, promovendo o desenvolvimento de suas capacidades e preparando-as para exercer a liberdade em suas vidas. A felicidade, observa Sen, exige que as pessoas possam aplicar seu potencial em seus projetos, satisfazendo suas necessidades básicas e progressivamente buscando bens mais elevados.
Embora distintas, as abordagens de Sen e Hayek são compatíveis com uma ética que privilegia as responsabilidades individuais, como a ética das virtudes. Em ambos os casos, a ética é essencial para que a ação humana produza os resultados desejáveis em termos de felicidade e bem-estar. Em Lewis, por outro lado, a ética parece ser mais consequencialista, na medida em que os esforços de desenvolvimento devem produzir um resultado no estilo do maior bem possível para o maior número (ainda que, em alguns trechos de sua obra, seja possível encontrar alusões às ações individuais). Num ponto os três autores concordam: o desenvolvimento humano está associado à promoção da felicidade numa sociedade. Como a ética é a reflexão sobre o que é viver bem, não é exagero afirmar que esses autores concordariam que, sem valores morais, o desenvolvimento é vazio de significado.