Rivalidade nos refrigerantes: pra vender, vale tudo?

Para boa parte dos cidadãos ordinários de hoje, a Pepsi não passa de um refrigerante do tipo “plano B” para ocasiões em que não há uma garrafa de Coca-Cola disponível. Mas nem sempre foi assim. Na década de 1980, as duas marcas travavam uma batalha ferrenha pela preferência dos consumidores, que atingiu o ápice com a contratação de Michael Jackson pela Pepsi para estrelar a campanha “Pepsi Generation”, que se materializou neste icônico videoclipe:

Havia uma clara intenção por parte da bebida “número dois” de suplantar a concorrente por meio da associação do Rei do Pop ao sabor e à atitude evocadas pelo refrigerante. Isso não mudava o fato de que, para uma pessoa sedenta, qualquer um dos xaropes adocicados funcionaria da mesma maneira.

A sociedade permaneceu inerte às investidas ora da Pepsi, ora da Coca-Cola no competitivo xadrez do marketing, sem questionar o seu papel de peão nesse tabuleiro. A postura agressiva dos executivos responsáveis pela rivalidade entre as marcas parece não ter sofrido nenhum tipo de sanção. Pelo contrário: quanto mais suntuosas e agressivas fossem as peças publicitárias, mais divertido ficava assistir à competição.

Paradoxalmente, as pessoas que abraçavam a rivalidade entre os refrigerantes eram as mesmas que choravam nos cinemas assistindo a clássicos açucarados (metaforicamente) como E.T. – o extraterrestre, cuja ideia central era que todas as criaturas deveriam conviver harmoniosamente. É possível imaginar, ainda, que essas pessoas fossem francamente adeptas às campanhas pela paz mundial que vez por outra pipocavam na mídia e que se posicionassem contra o abuso conjugal, a desonestidade entre colegas de trabalho etc. Ou seja: na prateleira do supermercado, a rivalidade era tolerada, mas em outras esferas, não. O que isso diz a respeito do espírito de uma época?

Essa aparente hipocrisia é muito complexa para que se possa tomá-la como única lente de análise e oferecer uma resposta cabal. Ainda assim, não deixa de ser triste que comportamentos reconhecidamente deletérios sejam tolerados no mundo dos negócios sob a escusa de que “pra vender, vale tudo”.

As recentes restrições às quais nos submetemos para lidar com a Covid-19 estão aí para mostrar que a rivalidade precisa com urgência dar a lugar à cooperação, sob o risco de nos aniquilarmos em poucos meses. Se nos anos 1980 os refrigerantes nos provocaram a sermos rivais, aprendamos agora, então, a sermos amigos ou, no mínimo, colegas – isso já será um progresso e tanto.

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