Dilemas morais na gestão de riscos e desastres: uma reflexão sobre escolhas éticas

Os desafios apresentados na gestão de tragédias – como os desastres ambientais – e a maneira como elas se diferem do cotidiano requer reflexão preventiva que prepare gestores públicos para os dilemas morais e as escolhas éticas que essas situações impõem. A importância de conectar a ética na gestão de emergências é defendida por Naomi Zack por considerar que são principalmente as organizações governamentais, como Defesa Civil e Corpo de Bombeiros, que possuem a capacidade material e administrativa para se preparar efetivamente para os desastres e responder a eles.

Tão importante quanto considerar aspectos que são, essencialmente, de natureza mais técnica, é compreender que a gestão de emergências enfrenta conflitos e necessita de deliberações baseadas em fatores humanos e subjetivos, com pressões das mais diversas maneiras. Valencio (2010, p. 751) descreve o trabalho em situações de desastre como um “caldo em que emergem os conflitos entre regulações, regras e estruturas diversas de autoridade das instituições envolvidas, o que faz com que a tomada de decisões seja apoiada por graus crescentes de subjetividade e conhecimento tácito, ampliando o ambiente de incertezas”.

Em meio a esse contexto, os gestores podem ter que tomar decisões súbitas e efetivas usando informações e recursos limitados, nas quais emoções e instintos podem facilmente ignorar o raciocínio e a lógica, dificultando o processo decisório. Assim, os dilemas morais podem surgir de modo mais evidente e a decisão sobre qual rumo de ação tomar ser ainda mais difícil.

Jenson (1997), ao estudar ética na gestão de emergências, considerou que os dilemas morais ocorrem, geralmente, quando os gestores se deparam com questões como:

– Quem tem autoridade para tomar decisões éticas significativas?

– Quais princípios e valores devem guiar os envolvidos em processos éticos durante desastres?

– O que é uma ação responsável em resposta às necessidades humanas e em que nível a assistência humanitária deve ser fornecida?

– Como lidar quando uma parcela da população é impedida de acessar informações vitais e recursos “garantidos” a outras, devido, principalmente, a questões de desigualdades sociais no acesso à ajuda?

Dilemas morais relacionas a questões como essas podem ocorrer, segundo Saban (2016), devido a obstáculos como falta de colaboração, falta de informações adequadas sobre as necessidades e os riscos envolvidos, estruturas de poder hierárquicas, carência de recursos e suporte, e limites legais. O processo de escolha e implementação de decisões pode ser facilitado se a ética que orientar a tomada de decisão abordar os valores e as preocupações de todos os envolvidos. Entretanto, devido às necessidades emergenciais, torna-se muitas vezes difícil para as instituições identificar representantes de diferentes setores em uma situação caótica ou politicamente tensa (Jenson, 1997).

Para que a ética seja vista como um “mecanismo de gestão” em tragédias, é necessário inserir a discussão ética de forma preventiva, por meio de debates e reflexões entre diversas organizações e atores. Nesse sentido, mais do que um processo de gestão, Stengers (2015, p. 55) chamaria essa preocupação como “a arte de ter cuidado”. Segundo a autora, “se há arte, e não apenas capacidade, é por ser importante aprender e cultivar o cuidado, cultivar no sentido […] em que obriga a imaginar, sondar, atentar para as consequências que estabeleçam conexões entre o que estamos acostumados a considerar separadamente”.

Referências:

JENSON E. Disaster Management Ethics. UNDP Disaster Management Training Programme, 1997. Disponível em: http://www.disaster-info.net/lideres/spanish/mexico/biblio/eng/doc13980.pdf.

SABAN, L. I. International disaster management Ethics. Albany: State University of New York Press, 2016.

STENGERS, I. No tempo das catástrofes: resistir à barbárie que se aproxima. São Paulo: Cosac & Naify, 2015.

VALENCIO, N. Desastres, ordem social e planejamento em Defesa Civil: o contexto brasileiro.Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 4, p. 748-762, Dez. 2010.

ZACK, N. Ethics for Disaster. Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 2009.

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