Mindfulness como prática e Mindfulness como traço

Hoje, a pesquisa sobre mindfulness é uma das linhas de pesquisa que mais cresce, com sua influência se estendendo para além de estudos revisados ​​por pares, tendo uma grande adoção da prática em programas de desenvolvimento e treinamento de empresas, aparecendo em programas de notícias, revistas científicas dedicadas ao estudo do assunto e até aplicativos dedicados ao tema que podem ser baixados em quase todos os smartphones (SUTCLIFFE et al. 2016, p. 56).

Grandes empresas como Target, General Mills, Intel e Google oferecem programas de treinamento em mindfulness aos seus trabalhadores (SCHAUFENBUEL, 2015). O curso do Google, chamado de “Search Inside Yourself”, foi criado com o objetivo de dar aos participantes habilidades para acalmar suas mentes, ganhar autoconhecimento e autoconsciência e criar hábitos mentais positivos como compaixão. O criador do curso, Chade Meng-Tan, tentou iniciar os cursos de meditação antes do Search Inside Yourself, mas apenas o fez decolar quando alinhou o treinamento da mente com a inteligência emocional, alcançando um número maior de pessoas (BAER, 2014).

Os benefícios da prática da atenção plena (como normalmente o termo é traduzido para o português) não se restringem apenas na área dos negócios. Pesquisas recentes mostraram que a atenção plena facilitou a compaixão dos alunos, ampliando os níveis de envolvimento e aumentando o desempenho acadêmico (MIRALLES-ARMENTEROS et al., 2019).

Dentro do campo acadêmico, as pesquisas sobre mindfulness não estão restritas a apenas a ela como uma técnica meditação, mas também como traços individuais e coletivos.

Mindfulness individual

Para Sutcliffe et al. (2016) as definições de mindfulness individual são mais convergentes do que divergentes, sendo comum nessas definições que mindfulness é um estado específico de consciência, no qual o indivíduo concentra sua atenção nos eventos do momento presente. Muitas das definições encontradas por Sutcliffe et al. em sua revisão em vários níveis da atenção plena nas organizações, está enraizada na definição de Brown e Ryan (2003, p. 822) do constructo, que mindfulness é “o estado de estar atento e consciente do que está acontecendo no presente”.

Os autores apontaram que Atenção e Awareness estão entrelaçadas e englobadas pela Consciousness (ambas as palavras Awareness e Consciouness são traduzidas para o português como “consciência”, por isso os termos foram mantidos na língua inglesa) que é distinta de outros modos de processamento mental (como emoções, motivos e cognições), sendo possível ser consciente de emoções, motivos, pensamentos e estímulos sensoriais e perceptivos. Awareness está no fundo da Consciousness, funcionando como um “radar” dela, monitorando o ambiente externo e interno. Mas pode-se ter consciência dos estímulos, sem colocá-los no centro das atenções. Portanto, atenção é “um processo de focalização da consciência (awareness)” (BROWN e RYAN, 2003, p. 822). Como atenção e awareness geralmente são características constantes, a atenção plena pode ser tratada como um nível mais intenso de awareness e atenção à realidade atual ou à experiência atual (BROWN e RYAN, 2003).

As visões de Langer (1989) sobre mindfulness são semelhantes à definição de Brown e Ryan, vendo-a como um estado de alerta e consciência (awareness) viva, que pode ser vista como consciente do contexto e da diferenciação, refinando várias categorias e distinções e criando novas, tendo um reconhecimento de contexto mais nuançado. Em um estado com baixa atenção (mindless), o indivíduo depende de distinções que já foram desenhadas e de categorias que já foram definidas. Portanto, atenção plena e falta de atenção não apenas se diferenciam quantitativamente uma da outra – como a quantidade de informação sendo processada – mas também de maneira qualitativa. As categorias que foram criadas anteriormente em um modo consciente retêm o indivíduo quando estão em um estado de inconsciência (mindlessness).

Mindfulness coletiva 

O construto de mindfulness coletiva foi desenvolvido inicialmente em estudos de organizações de alta confiabilidade (HROs, na sigla em inglês), para explicar como elas evitam catástrofes e atuam quase sem erros em condições difíceis (SUTCLIFFE, VOGUS e DANE, 2016). Normalmente, exemplos comuns de HROs são sistemas de controle de tráfego aéreo, usinas de geração de energia nuclear e ônibus espaciais (WEICK; SUTCLIFFE e OBSTFELD, 1999). Weick et al. (1999) apontam que as HROs se concentram na resiliência, antecipação, fracasso em vez de sucesso, táticas e mudança em vez de estratégia e no momento presente e não no futuro. Hannan e Freeman (1984, apud Weick et al., 1999) definiram confiabilidade como a capacidade de gerar repetidamente resultados coletivos com uma quantidade mínima de qualidade e alcançar a confiabilidade organizacional para desenvolver rotinas altamente padronizadas.

O engano da definição anterior, segundo Weick et al. (1999) está em caracterizar confiabilidade como falta de variação no desempenho. Eles apontam que, para a manutenção da confiabilidade do sistema, a situação imprevista deve ser tratada, antecipando consequências acidentais. Considerar rotinas como fonte de confiabilidade e, portanto, combinar estabilidade com variação, torna mais difícil entender o desempenho confiável sob condições difíceis.

Para eles, a atenção plena em HROs é mais sobre interpretação e investigação fundamentada em recursos para ações do que tomada de decisão e prevenção de acidentes, e não apenas ativada pela novidade, mas é mais como ter uma mentalidade contínua que admite chances de que qualquer evento conhecido não seja perfeitamente conhecido, e capaz de apresentar novidades. Em vez de ação hesitante, essa cautela contínua é expressa na revisão ativa e contínua das suposições. Induzindo a prática efetiva em HROs e a partir de investigações de acidentes, Weick et al. (1999) viram que um estado de mindfulness que parece ser criado por pelo menos cinco processos: preocupação com o fracasso; relutância em simplificar interpretações; sensibilidade a operações; compromisso com a resiliência; e subespecificação de estruturas.

Falhas são raramente vistas nas HROs e, portanto, elas precisam estar preocupadas com algo que raramente ocorre. Nesse cenário em que as condições de aprendizado não são ideais, as HROs devem tratar todas as falhas como janelas da saúde do sistema, analisando quase-falhas e concentrando-se nas responsabilidades para se ter sucesso. Weick et al. (1999, p. 41) afirmaram que nas HROs que são mais eficazes: 

complacência é interpretada como falha de esforço, desatenção é interpretada como falha de vigilância e habituação é interpretada como falha de ajuste contínuo. Atender a possíveis falhas implícitas no sucesso é equivalente a agir no pressuposto de que qualquer sucesso atual torne o sucesso futuro menos provável. 

Simplificar a maneira como a situação atual é interpretada é uma prática comum nas organizações, permitindo que os membros continuem ignorando os dados (TURNER, 1978 apud WEICK et al. 1999). Porém, nas HROs, as implicações são potencialmente perigosas, pois aumentam a possibilidade de uma eventual surpresa, limitando o número de consequências e precauções indesejadas que as pessoas tomam e permitindo que as intuições sejam desconsideradas, acúmulo de anomalias e um crescimento mais sério de consequências indesejadas (WEICK et 1999).

Nas HROs, a sensibilidade às operações é geralmente descrita pela frase “having the bubble” emprestada da Marinha americana (ROBERTS e ROUSSEAU, 1989 apud WEICK et al. 1999). Para Endsley (1997, apud WEICK et al. 1999), a bolha é análoga à noção de consciência situacional, definida como a percepção dos aspectos no ambiente dentro de um volume de espaço e tempo e a compreensão de seu significado, projetando seu status em um futuro próximo, algo que exige que os indivíduos compartilhem informações e interpretações. “Having the bubble” refere-se a uma meta árdua de um alto nível de consciência situacional, um quadro geral que qualquer operador forma (WEICK et al. 1999). De acordo com os estudos de Roth (1997 apud WEICK et al. 1999) sobre a tomada de decisão do operador em emergências simuladas de usinas nucleares, a sensibilidade às operações é alcançada através de uma combinação de construção coletiva compartilhada de histórias, avaliação da situação com atualizações contínuas, representações mentais, conhecimento de interconexões físicas e parâmetros dos sistemas da planta, múltiplas bolhas de tamanho variável e diagnóstico ativo das limitações dos procedimentos pré-planejados. Weick et al. (1999) afirmam que o trabalho de Roth deixa claro que as imagens como “consciência da situação” e “bolha” não são dinâmicas e profundas o suficiente para apreender o monitoramento contínuo, a formulação, a construção de histórias e a atuação.

Resiliência é ao mesmo tempo se recuper de erros e lidar com surpresas,
utilizando a mudança que é absorvida e sem esperar para um erro acontecer para responder (WEICK et al. 1999). As HROs também olham ambivalentemente para a aplicabilidade da experiência passada, tendo simultaneamente crença e dúvida, algo importante para a ação adaptativa quando o perigo é encontrado (WEICK, 1969; 1979 apud WEICK et al., 1999).

Finalmente, nas organizações conscientes (mindful organizations), a estruturação é contínua e a estrutura uma variável, com projetos e rotinas fluidos (WEICK et al. 1999). Ao enfrentar o perigo, as HROs ganham flexibilidade realizando momentos de anarquia organizada (RASMUSSEN e BATSTONE, 1989; PERROW, 1994; VAUGHAN, 1996 apud WEICK et al., 1999), movendo a organização para uma estrutura de lata de lixo, onde
 

problemas, soluções, tomadores de decisão e oportunidades de escolha são fluxos independentes que fluem através de um sistema. Esses fluxos são apreciados por seus horários de chegada e partida e por quaisquer restrições estruturais que afetam quais soluções de problemas, e os tomadores de decisão têm acesso a quais oportunidades.

COHEN, MARCH e OLSEN, 1972 apud WEICK et al., 1999, p. 48

Ao examinar uma anomalia, a hierarquia é sutilmente trocada com a experiência, permitindo que os problemas migrem e permitindo que um número maior de pessoas compreenda as dicas inovadoras e decida se elas implicam em um evento ou problema transitório (WEICK et al., 1999).

Mindfulness como uma prática de meditação 

Goleman e Schwartz definiram meditação como “a auto regulação intencional da atenção de um momento para o outro” (apud KABAT-ZINN, 1976, p. 34), sendo duas classes de meditação: meditação de concentração e meditação de atenção plena (GOLEMAN apud KABAT-ZINN, 1977).

A meditação de concentração consiste na restrição da atenção a um único objeto ou ponto, geralmente a experiência da respiração, um mantra, um Koan (uma história, diálogo, afirmação ou pergunta usada na tradição Zen Rinzai) ou um objeto visual. Na meditação da concentração, uma atividade mental que não é a escolhida para ser o foco da atenção é percebida como uma distração (KABAT-ZINN, 1982).

Em contraste, a meditação da atenção plena pressupõe a concentração para manter uma atenção constante, não restringindo a atenção a um objeto, mas fazendo uma observação desapegada de um campo de objetos em constante mudança, momento após momento (KABAT-ZINN, 1982). Em primeiro lugar, um objeto é o ponto de concentração e, depois que a atenção é relativamente constante, o campo de objetos sob atenção é expandido, incluindo todos os eventos mentais e físicos, ao passo que tais eventos acontecem no tempo. Esta não é uma tarefa trivial, pois a tendência de a mente vagar e se preocupar com o conteúdo de emoções e pensamentos, tendo o meditador que trazer de volta a atenção aos detalhes da realidade momentânea, para voltar a atenção para o presente.

Kabat-Zinn (1982) sublinha que, na prática da meditação da consciência, mesmo a perambulação da mente não é considerada uma distração. Todo evento é um objeto de observação, sem importância ou valor absoluto ou relativo em termos de seu conteúdo, sendo eles simplesmente observados à medida que surgem.


Referências:

BAER, D. Here’s What Google Teaches Employees in its ‘Search Inside Yourself’Course. Business Insider, 2014. Retrieved from <https://www.businessinsider.com/search-insideyourself-googles-life-changing-mindfulness-course-2014-8>. Accessed on: 31 Oct. 2019.

BROWN, Kirk Warren; RYAN, Richard M. The benefits of being present: mindfulness and its role in psychological well-being. Journal of personality and social psychology, v. 84, n. 4, p. 822, 2003.

KABAT-ZINN, Jon. An outpatient program in behavioral medicine for chronic pain patients based on the practice of mindfulness meditation: Theoretical considerations and preliminary results. General hospital psychiatry, v. 4, n. 1, p. 33-47, 1982.

LANGER, Ellen J. Minding matters: The consequences of mindlessness–mindfulness. In: Advances in experimental social psychology. Academic Press, 1989. p. 137-173.

MIRALLES-ARMENTEROS, Sandra et al. Mindfulness and academic performance: The role of compassion and engagement. Innovations in Education and Teaching International, p. 1-11, 2019.

SCHAUFENBUET, Kimberty. Why Googte, Target, and GeneraL MiLLs Are Investing in Mindfutness. Havard Business Review, 2015. Retrieved from: . Accessed on: 31 Oct. 2019.

SUTCLIFFE, Kathleen M.; VOGUS, Timothy J.; DANE, Erik. Mindfulness in organizations: A cross-level review. Annual Review of Organizational Psychology and Organizational Behavior, v. 3, p. 55-81, 2016.

WEICK, Karl E.; SUTCLIFFE, Kathleen M.; OBSTFELD, David. Organizing for high reliability: Processes of collective mindfulness. Crisis management, v. 3, n. 1, p. 81-123, 2008.

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