Gostaria de discutir, a partir desse texto, a conexão entre a administração pública e empresarial. Busco destacar que para investigarmos sobre ética devemos considerar a conexão entre os setores públicos e privados. Entendo que uma visão separada entre agentes privados, de um lado, e organizações públicas de outro, não daria conta de captar compreensivamente a ética envolvida em atividades complexas. Esse é um aspecto crucial, se queremos entender como tais práticas contribuem para o bem comum.
Por que essa questão? O motivo mais recente se deve às amplas transformações que a inteligência artificial (IA) representa para a humanidade. Outra motivação vem da minha experiência em ambos os setores, público e privado, o que me permitiu entender pontos em comum e diferenças entre eles.
No contexto brasileiro, no entanto, parece haver um atrito entre as áreas, o que pode reduzir as chances dessa abordagem compreensiva acontecer. Parte desse impasse reside na suposição de que os interesses dos atores públicos e privados sejam distintos, mas na prática nem sempre é assim. Por vezes sentimos falta do ethos da profissão na forma de atuar dos agentes; por vezes profissionais se conformam diante de pressões contextuais.
De todo modo, uma visão separada entre administração pública e privada em muito reduz a compreensão ética que se tem sobre os meios, os fins e as circunstâncias das ações. Isso porque os setores públicos e privados acabam sendo interdependentes. Lazzarini (2015) muito bem reúne evidências disso quando analisa o capitalismo de laços. Os estudos sobre cultura brasileira, clientelismo e nepotismo também acentuam essa característica.
Reconhecendo que as investigações em ética aplicada à inteligência artificial estão crescendo, considero ser importante que façamos uma reflexão sobre a mútua implicação entre administração pública e empresarial, ou economia, administração e Estado.
Vários estudos sobre a inteligência artificial reconhecem essa conexão, como nos livros de Carissa Véliz (2020), Mark Coeckelbergh (2022) e Chris Miller (2022). Véliz (2020) alerta, por exemplo, que a economia de dados e a vigilância são convenientes para governos e empresas; ambos se ajudam mutuamente para estruturar sistemas de IA. Isso se traduz em riscos para a liberdade e a democracia (Coeckelbergh, 2022).
Por fim, perguntando ao chatGPT “o que aconteceria se adotássemos uma perspectiva ética que não assume a conexão entre Estado e setor privado para tratar da inteligência artificial?”, obtive a seguinte resposta:
“Se adotássemos uma perspectiva ética que não assume a conexão entre Estado e setor privado no tratamento da inteligência artificial (IA), correríamos o risco de criar um cenário fragmentado e insuficiente para lidar com os desafios complexos e interconectados desse campo. Essa abordagem negligenciaria a natureza colaborativa e interdependente da inovação tecnológica, resultando em diversas consequências negativas, tanto para o desenvolvimento quanto para a regulação da IA.”
Concluindo, o que tentei reforçar com o caso da ética da inteligência artificial é que deveríamos reconhecer mais enfaticamente a relação entre a administração pública e privada. No cotidiano, notamos como ambas se conectam por suas relações, agentes e interesses. Se quisermos entender os reais dilemas éticos dos agentes e as circunstâncias para o seu crescimento em virtudes, devemos considerar a conexão entre os setores público e privado.
REFERÊNCIAS
Coeckelbergh, M. (2022). The political philosophy of AI: an introduction. Cambridge: Polity Press.
Lazzarini, S. (2011). Capitalismo de laços: os donos do Brasil e suas conexões. Rio de Janeiro: Elsevier.
Miller, C. (2022). Chip war: the fight for the world’s most critical technology. New york: Scribner. Véliz, C. (2020). Privacy is power: why and how you should take back control of your data. London: Penguin Random House.