Uma nota sobre a pesca das baleias

O debate sobre a pesca das baleias ressurgiu com força recentemente. Tal debate, em minha opinião, reacende a questão sobre o status ético dos animais em relação aos seres humanos, e levanta questões sobre a forma pela qual são tratados por nós. Meu objetivo é expressar apenas um ponto de vista sobre o tema.

Começo lembrando David Hume: do ponto de vista do universo, a vida de um ser humano não tem mais importância do que a de uma ostra. Se isso for aceito, as vidas da ostra, de um gato ou de uma baleia não têm mais importância do que a do ser humano também. Mas, como Hume mesmo notou, nossa vida importa para nós. E as vidas de todos os animais podem também nos importar – ou não. Mas, sob um ponto de vista da razão, o que eu gostaria de destacar é: sou eu – e em grau talvez um pouco menor as pessoas que gostam de mim – quem confere importância à minha vida. E eu reconheço uma importância igual para as vidas dos demais seres humanos, sem exceção.

No entanto, quando se trata dos animais, embora existam defesas morais racionalmente fundamentadas de que suas vidas são tão importantes quanto as dos seres humanos, elas deixam algo a desejar. Peter Singer, por exemplo, adota um ponto de vista utilitarista: os animais sentem dor e prazer tanto quanto os seres humanos, e o objetivo das ações morais consiste em maximizar o prazer e/ou minimizar a dor. Portanto, não devemos lhes causar dor. Pescar baleias, então, é causar a esses belos e inteligentes animas uma dor desnecessária. Mas matar um mosquito Aedes Aegyptii para evitar que me transmita dengue também é causar-lhe uma dor desnecessária.

O argumento de Singer é simples e incisivo, mas falha em me convencer por uma razão simples: sabemos que os animais sentem dor e possuem mais inteligência do que inicialmente pensávamos, mas não sabemos se eles são capazes de tomar decisões morais. As próprias baleias parecem demonstrar comportamentos de solidariedade, amizade e cuidado (inclusive com outras espécies), mas são ações morais (portanto, racionais) ou o mero instinto? Singer usa a razão para definir como os homens devem moralmente tratar os animais, mas isso coloca o ser humano num patamar superior, pois não se conseguiu ainda provar que os animais tenham razão, e que compreendam a moral.

Atualmente, apenas três países pescam baleias: Japão, Islândia e Noruega (conforme https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151214_vert_earth_caca_baleias_lab). Na Islândia, a carne de baleia é servida em restaurantes que atendem sobretudo a turistas, pois poucos islandeses a comem; assim, a justificativa dada seria a exploração comercial, mas se apela também a uma antiga tradição. Na Noruega, a pesca também é justificada por motivos comerciais; no entanto, no litoral norueguês, os pescadores defendem a atividade com base no fato de ser um costume ancestral. O Japão, por sua vez, defende a pesca por motivos científicos – mas a carne é vendida para restaurantes, por isso, a atividade é comercial.

Para analisar os três casos, não recorro ao argumento de Singer – que poderia ser aplicado a todos, mas não me convence. Nos casos do Japão e da Noruega, apelo a argumentos mais próximos de um imperativo moral kantiano. Para analisar o caso japonês, os fatos impõem uma interpretação do argumento apresentado: trata-se de mentira deslavada, portanto, fere o dever moral. A pesca japonesa tem finalidade puramente comercial, pois não há necessidade de matar centenas de baleias anualmente para “pesquisa científica” – mesmo que os japoneses fossem os líderes, na comunidade científica, na pesquisa de baleias, poucas teriam que ser sacrificadas para tanto. No caso da Noruega e da Islândia, é preciso ter em mente que costumes e tradições existem, mas também evoluem. E os costumes e tradições, por importantes que sejam para a vida humana, devem ser objeto de um exame racional e, portanto, moral para que possam ser justificados. Ou seja, os costumes não são fundamentos últimos da moral: ajudam a justificar posicionamentos morais, mas não são capazes de fazê-lo sem apelar a outras razões.

Dessa forma, independentemente de reconhecer nas baleias um status moral equivalente ao nosso, não há base moral para pescá-las: nem o costume nem a ciência bastam para tanto. Mas a mentira e os erros do passado são, no meu ponto de vista, suficientes para condenar moralmente essa atividade.

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