Uma possibilidade de alinhamento entre ética e finanças

Enron Corporation foi uma empresa líder no mundo na área de distribuição de energia. Localizada em Houston, Texas, empregava cerca de 21.000 mil pessoas. No ano 2000, antes de declarar falência devido a fraudes contábeis, a Enron faturou 101 bilhões de dólares. Este não é o primeiro e nem será o último caso em que empresas se apresentam envolvidas em algum tipo de questão “antiética”.

Empresas como Libor, Goldman, Wells Fargo e Baclays, bem como o esquema de Madoff, são partes de grandes escândalos ocorridos nos Estados Unidos nos últimos dez anos. No Brasil, a operação Lava à Jato condenou mais de 130 pessoas em escândalos de corrupção envolvendo presidente do país e altos executivos de empresas privadas, por exemplo.

Para o professor Alexander Wagner, da Universidade de Zurich, na Suíça, de cada sete empresas norte americanas, uma comete fraude todos os anos. Com isso, há um custo tanto pra acionistas, como para a sociedade de forma geral na ordem de US$ 380 bilhões ao ano. Ainda assim, é importante ressaltar que seis dessas sete empresas procuram se “manter na linha”.

A discussão acerca de ética e finanças já precede décadas e séculos. Aristóteles, por exemplo, já discutiu sobre este assunto. Nos anos que se seguiram após Aristóteles, diversos outros proeminentes filósofos procuraram dar suas respectivas ideias sobre ética e finanças. Nos dias atuais, MacIntyre se destaca como um dos principais nomes a descrever sobre, principalmente pela perspectiva das virtudes. De qualquer forma, é um assunto que ainda não se encontra esgotado e carece de maiores definições dado a dinâmica de mercado que a sociedade atual se encontra. Obviamente a relação com dinheiro que temos hoje não se define da mesma forma que um século atrás.

Pela concepção de Aristóteles o florescimento depende, por um lado, de bens materiais, externos ou corpóreos e, por outro, de bens não materiais ou internos, como os bens ou excelências da alma, também conhecidos como virtudes (Aristóteles 1990: 1324a). Embora ambos sejam igualmente necessários para o florescimento, os bens materiais devem ser perseguidos apenas na medida em que nos permitam alcançar os não-materiais ou espirituais (Ferrero e Sison, 2017, p. 1155). Neste sentido, há um limite a ser estabelecido quanto aos bens materiais. Assim, para Aristóteles os bens materiais são apenas os meios necessários para alcançar algo maior, superior, como o florescimento, uma vida boa. Ou seja, a busca por bens materias, dinheiro pelo fim em si mesmo não é caracterizado pela abordagem aristotélica como virtuosa.

Ferrero e Sison (2017, p. 1155), descrevem que em relação ao limite, os seres humanos precisam de uma quantia finita de dinheiro para satisfazer as necessidades físicas ou corporais e alcançar o florescimento. Portanto, além dessa quantidade, mais dinheiro pode resultar em um empecilho do que uma ajuda. Mais, nem sempre é melhor.

MacIntyre descreve acerca dos bens de Eficácia (goods of effectiveness) e bens de Excelência (goods of excellence). Para MacIntyre os bens de eficácia são aqueles perseguidos para o benefício de outro e estão fora do agente, um exemplo disto é o dinheiro. Já os bens de excelência são escolhidos em si mesmos, alcançados em atividades cujo fim ou propósito é a sua própria realização da melhor maneira possível. São bens internos às práticas, como florescimento, relacionamentos amorosos, ouvindo música, conhecimento e virtudes.

Ambos bens de excelência e bens de eficácia são definidos em referência a práticas e instituições segundo MacIntyre. As práticas são “qualquer forma coerente e complexa de atividade humana cooperativa socialmente estabelecida através da qual bens internos a essa forma de atividade são realizados no curso de tentar alcançar aqueles padrões de excelência que são apropriados e parcialmente definitivos para aquela forma de atividade” (MacIntyre 2007 [1981]: 175 apud Ferrero e Sison, 2017). Por sua vez, “as instituições são caracteristicamente e necessariamente preocupadas com […] bens externos. Eles estão envolvidos na aquisição de dinheiro e outros bens materiais; eles são estruturados em termos de poder e status e distribuem dinheiro, poder e status como recompensas” (MacIntyre 2007 [1981]: 194) apud Ferrero e Sison, 2017).

MacIntyre deixa claro que quando agentes buscam bens de eficácia como dinheiro, status e poder em si mesmos, as práticas são distorcidas. (MacIntyre 1994: 289). Essa situação descreve a perda de integridade ou a corrupção de práticas (MacIntyre 2007 [1981]: 195).

Como podemos aplicar essas ideias sobre ética dado o mercado financeiro e econômico dos dias atuais em que a complexidade das relações institucionais é tão dinâmica?

O sistema financeiro segundo Greenwood e Scharfstein (2012) atual tem como função promover poupança, seja domestica ou empresarial, com a atribuição dos fundos de forma mais produtiva. Até disso, distribui e gerencia o risco entre os agentes e facilita um sistema de pagamento confiável. Empregado adequadamente, o financiamento promove o crescimento econômico, promove o empreendedorismo e promove a educação (Zingales 2015). Ora, fica claro que a dinâmica financeira e econômica nos dias atuais é diferente de tempos atrás. A forma que os agentes lidam com os recursos, promovem poupança e distribuem os riscos são diferentes. São também necessários dado a forma que a sociedade age.

Então, por exemplo, a atividade financeira que consiste em pura especulação ou busca de renda (Zingales 2015) representaria a corrupção de uma prática de acordo com MacIntyre e um abuso do uso de bens materiais de acordo com Aristóteles. Ao pensarmos em aplicar as questões éticas em finanças, Ferrero e Sison (2017) ao se basearem na ideia de Aristóteles e MacIntyre descrevem que:

“Poderíamos, então, arriscar um “bem interno” para a atividade financeira de alocação de recursos ou investimento consistindo em seu “melhor uso”, diferente do que é simplesmente seu “uso mais produtivo”. Certamente, lucros e produtividade são indicadores razoáveis da solidez de um investimento, mas eles não devem ser o único e principal objetivo do financista. Os requisitos éticos devem ser satisfeitos acima de tudo. Bens e serviços têm que ser “realmente úteis”, não apenas porque satisfazem preferências, mas também porque salvaguardam e promovem a dignidade humana, o bem comum e outros princípios sociais fundamentais.”

Referências:

Ferrero, I., & Sison, A. J. G. (2017). Aristotle and MacIntyre on the virtues in finance. In A. J. G. Sison (Ed.), Handbook of virtue ethics in business and management (Vol. 1–2, pp. 1153– 1162). Dordrecht: Springer.

MacIntyre A (2007 [1981]) After virtue, 3rd ed. Duckworth, London.

As visões e opiniões expressadas nos artigos são as dos autores e não refletem necessariamente a Política oficial ou posição do grupo AdmEthics.

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